domingo, 28 de junho de 2015

Carregando a literatura nas costas


Pelas andanças ao interior do Paraná, depois de um trabalho gratificante em um colégio, saí para conhecer a cidadezinha. Já era meio da tarde quando entrei em um bar; tinha sede, queria um suco, mas pedi água mineral. A mocinha veio me atender com um sorriso de boas-vindas e depois do pedido ela sorriu novamente, as covinhas nas faces dela e seus lábios carnudos molduravam seus dentes brancos. Ao pegar a água e servir meu copo, um novo sorriso. Pude apreciar aquele belo sorriso de outro ângulo. Maliciei, sorri de volta e dei uma piscadinha; ela me servia com a mão direita, então eu não sabia que era casada e nesse momento nem lembrava que eu também era. Mas foi uma piscadela de um olho só! Vendo no dedo da mão esquerda a aliança, fiquei sem jeito. Quando tomava meu primeiro gole de água, do nada me aparece um homem de faca na mão, como esses maridos ciumentos aparecem do nada. Não tive tempo de argumentar, nem saberia o que falar, na verdade. Ele veio em minha direção e eu tinha apenas uma garrafa de água para me defender, garrafa de plástico. Fui rápido e ágil, corri e pulei a mesa de sinuca. Mas fui idiota, porque corri para o lado errado: havia eu e a parede da janela pela qual eu poderia me jogar e um marido ciumento com faca na mão para enfrentar. Resolvi conversar: “Calma aí, foi um mal-entendido, sua esposa riu de mim, não para mim, mas não fiquei chateado, estou acostumado, tenho essa mania de piscar”. Eu piscava rapidamente com os dois olhos e um de cada vez para ser mais convincente. Ele me ouviu e riu da minhas piscadas. Vendo que as coisas ficaram calmas: “Agora com licença, vou pegar minha água, estou com a boca seca e vou embora; antes, porém, sou escritor, queria apresentar para vocês meu novo livro de contos, são histórias de vários temas, algumas engraçadas outras trágicas". Continuava piscando. O homem comprou meu livro e pediu dedicatória. Eu fiz: "Para o casal querido com carinho e todo respeito." Quando saí, da porta olhei, a moça sorriu de novo. E estava piscando com os dois olhos, quase que peguei o tique nervoso. Do outro lado da rua, quando lembrei de um conto que estava no livro de um marido traído e ingênuo, andei mais depressa. Porque, no final das contas, não era por causa de uma piscadela de um olho só que fecharia meus olhos de vez.

J.D

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