sábado, 20 de junho de 2015



A libélula púrpura flana acima do véu pendente do teto a envolver a cama de madeira rústica. A libélula destoa do ambiente. Chão sujo, cheiro acre de suor masculino no ar. Manuela não sabe o significado daquela aparição... Não sabe que as libélulas chegam para ensinar a romper com as ilusões, atravessá-las e abraçar o que buscamos. Elas vêm para dizer que as limitações físicas são ilusões, podemos atravessá-las. Podemos. A libélula pousa no véu e fica ali por alguns minutos. O corpo de Manuela está dolorido. Os músculos das pernas ressentem dos dias de caminhada excessiva. O ambiente é estranho. Aquela pequena cabana de madeira está encravada meio ao matagal. Ela ouve barulho de panelas. Quer sair dali. Suas mãos estão amarradas à cabeceira da cama. Precisa continuar sua viagem. O rapaz surge na porta, sem camisa. A calça de tecido rústico marrom. As botas de montaria. Ele tem os cabelos desgrenhados, ela percebe, agora que ele tirou o chapéu. O cabelo suado adere à sua testa. Ele a olha por alguns segundos e depois a conclama:

— Tem arroz com charque, tem frutas e leite. A moça precisa comer.

Nas manhãs ele saia e voltava à tardinha com um animal morto. Era estranho ficarem ali, as janelas e portas fechadas com ferrolhos enormes. Disse a ele que precisava ir ao Rio de Janeiro. Era como se, súbito, o rapaz a controlasse com seu olhar de ferro. Era como uma lâmina fria o olhar dele. O olhar dele dava ordens. Fazia com que Manuela ficasse estática, sem coragem de seguir sua caminhada, tentar uma fuga.

Bárbara Lia

As Filhas de Manuela

Menção Honrosa na primeira edição do - Prémio Literário Fundação Eça de Queiroz (Portugal)
sobre o romance inédito:

Ambientado de 1839 aos dias atuais, com cenários que vão de Paranaguá ao Rio de Janeiro, passando por Paris e por Arraial D’Ajuda, um mosaico de vidas que insistiram nesta tal felicidade, sem pieguice ou fantasias, e em amores distanciados dos contos da carochinha. Traz o estranhamento de estar vivo, meio a um enredo quase surreal, onde um homem amaldiçoa uma mulher e toda a sua descendência, com ódio tão extremo e com o desejo de que todas sofram tanto que até suas sombras sangrem. O livro relata como elas lidaram com esta absurda herança.


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