Endomingado
no pântano das saudades daquele sol senegalesco, desfolhando, empilhando
essências de volúpias e arrebatamentos. Nada como o verão para tomar o vinho
das ânforas, fêmeas mais suculentas e lânguidos seus movimentos, convidativos
seus olhares. Sol queimando corpos e refrescando de suor, revelando contornos
velados em seda sorridente de transparências, vontades.
Janela
suada imagem de sonho, abre o oceano, ela corre e pára, olha com olhos de
oceano. Está como sempre esteve, Eva no Paraíso, vestida de suor e sorriso.
Atravessa a cidade a pé, a pé nos caminhos pluviais, rios-artérias-urbanas,
afogadas, afogadas de prazer sereia, de uma sereia curitibana.
Tu és a benção
e o perdão deste clima niñes de monção atrapalhado, fala o bengali brasileiro
que ama a água, como ama o amor que o pensamento leva, olhando aquela lótus que
conduz ao Kama Sutra. Vapores
enevoados de sonho despertado no coaxar de um sapo infeliz, perdido no charco
ao desmaiar da noite preguiçosa, que não quer chegar.
E há quem
prefira os becos escuros, dos excrementos da cidade, seu pus e náusea, suas
secreções e odores de cloaca e morgue macróbia, onde a brisa faz a curva para
não parar diante de um muro de farrapos e arames, hera e pesadelo.
A Curitiba do
caminhante não é um esgoto a céu aberto, onde famílias-gabirus se apinham em
cavernas de papelão, onde a vida vale a viagem de uma pedra.
Sonha os marés
e arrecifes da bela cachopa molhada. Não a cotidiana realidade que sangra todos
os dias de lamento a mãe que perdera o filho em um incêndio, porque tinha que
trabalhar para alimentá-lo e não tinha com quem deixá-lo, deixou nas mãos de
Deus que preferiu jogar dados na areia humana.
Que futilidade
deitar emoções – vivas pequenas histórias a cada sutil movimento, se o Tsunami
arrasta da terra bibliotecas vivas contidas nas cores, vozes, cheiros e
temperos de povos inteiros retornando do inferno marinho só cinzas e cascas,
cinzas junto aos restos dos condenados a sobreviverem aos seus entes queridos.
Um camaleão
agarra com a língua uma libélula.
A cidade
continua sendo construída e desconstruída no caleidoscópio da memória de um
sonho, no trôpego caminhar de alguém que pensa estar acordado, caindo e caindo
como em todas as manhãs, mergulhando no abismo.
Qual a finalidade da vida, além da dor,
da mãe urrando sob o cadáver do filho ou é a completa ausência de si, como
aquela que defeca a prole na privada. Um lapso, uma fronteira de papel
separando instinto de razão, natural e social, a dor de uma só é mais profunda,
mais próxima do que açúcares diluídos na água, estatísticas, meros números,
alguém vê atrás dos números, rostos, sentimentos, histórias?
Continua em
Curitiba, caminhando, o sapato já se dissolveu em mais uma lagoa entre a
calçada e a rua-rio, em uma cidade que foi projetada para a civilização do
automóvel, mesmo havendo eficiente rede de transporte urbano, lá está a horda
de carros com uma única pessoa, afinal o carro representa status e poder sobre
os sem-automóveis, poder de matá-los como moscas ou a eles próprios nos rachas.
A propósito dependendo da carruagem pode-se pescar cada peixe-gata!
E mais um
banho de graça no passar do rodante.
O catador de
papel, homem-cavalo, puxa o carrinho, dentro uma criança no meio do lixo
reciclável, ela segura uns vira-latas, nada mais Chapliniano, nada mais
ilustrativo.
A chuva para,
e pensa. A calmaria sem força, desfalecida dorme e uma parcela de si morre um
pouco, sexo rápido da natureza com a cidade. Tsunami foi o sexo de uma
ninfomaníaca com um estuprador, o homem estuprou a natureza e a natureza o
matou de tanto fazer amor. A água é nosso berço primal, o líquido amniótico é o
nosso quente mar onde os humores do afeto nos chegarem vibrações acariciantes
ou em ondas revoltas dependendo da mãe terra onde estamos germinando. Assim é
entre a Lua e os mares, do oceano e de nossas formosas fêmeas.
Chega que
estou ficando diabético.
Para comer uma portuguesa lá na esquina o caminhante
pára, e o pizzaiolo sem precisar que o freguês solicite, já sabe e diz: “- É
pra já doutor em dez minutos a pizza portuguesa com borda recheada de catupiry
estará pronta”. Ouve, porque ouvir não pede licença, a voz das ruas, uma
esganiçada, outra, que exigiu toneladas de nicotina para produzir aquela voz
cancerosa que causa arrepios nas cordas da harpa sensível de Grisette.
Nada como uma
catástrofe colossal para que se extraia do ser humano o que ele tem de melhor,
e de pior, praticamente toda a grande potência se mobilizaram para levantar
recursos aos países afetados pelo “Tsunamis”, os artistas, o Schumacher
endinheirado, os povos do planeta estão fazendo doações até o Timor, que é um
país pobre doou o que não tinha, proporcionalmente doou mais do que os sovinas
EUA do Bush, que prefere gastar para destruir, matar e saquear, deixe quieto,
os americanos verão cortes na previdência, ensino público mas continuaram
votando na quadrilha dele, porque quem elege nos EUA é o capital, que comanda a
economia dos estados mais poderosos, com mais votos no colégio eleitoral deles,
nos pequenos estados ele também tem voto, lá também tem os grotões como aqui,
com mentalidade pré era da razão. Os Estados Unidos percebeu que perderia a
corrida para japoneses, alemães e britânicos o quanto não lucrariam
reconstruindo os resorts, abrindo financiamentos e de quebra puxando o
tapete da influência chinesa, cada vez mais percebida como superpotência
emergente, mas vieram os caipiras canadenses e atravessaram o samba com uma
idéia estapafúrdia, de perdão da divida dos países como Sri-Lanka, Índia,
Indonésia, Tailândia, Maldivas, Seychelles. De vagar com o andor, os banqueiros
achariam esbanjamento de bondade, uma moratória de cinco anos, e claro haverá
compensações para os tubarões e não só aos cevados tubarões do Índico, àqueles
de Nova Iorque, Londres, Zurich.
Banqueiros não
fazem caridade e o Tio Sam se apressou em declarar que não haverá um Plano
Marshall para a região (nem um Plano Colombo como houve para o Japão). O Brasil
mostrou presença e a ponte aérea da FAB levou o coração do nosso povo fraterno
para minorar os sofrimentos dos flagelados, nossos irmãos asiáticos, doando
remédios, alimentos não perecíveis, água potável, roupas e é claro de
contrabando algumas urnas para os votos dos sul-asiáticos para as pretensões do
Brasil ao assento no Conselho de Segurança da Onu, o que supostamente nos
conferiria um status de potencia com direito de vos e vez através do veto. Pena
que não tínhamos aviões suficientes para levar os mantimentos, isso requeriria
algo além do discurso, para sermos uma potência precisamos nos impor também com
o que temos para não pagarmos mico. Tomara que sobre uma oportunidade de
negócios para a Petrobrás, Odebrecht, Gerdau.
O vizinho da
mesa não só tem de podre o hálito, cuja fumaça chega ate aqui, invisível e
nauseante, mas o quanto de falso há no que disse?
Finalmente a gostosa chega e dá-lhe Gallo. E a noite
chega com um choro soluçado de uma garotinha de olhos verdes afogados em
lágrimas, com a mão suplicando uma moeda, o desconhecido deu um pedaço de pizza
para ela e embrulhou outro em um guardanapo para que ela o levasse para casa,
ela coçou o nariz deu um sorriso e foi embora, apareceu um guri e ela deu o
outro pedaço para ele.
Pensou.
Chaplin outra vez, a cidade tem sua canção, sua poesia basta ter olhos para
ver, pena que haja tanto tempo escasso em pressas viciantes de escravos
voluntários. Pressa que consome uma vida objetivada em coisa, em máquina o
homem, peça de uma engrenagem sem finalidade, estéril semeadura de clônica
mediocridade cotidiana.
Falou o
filósofo, do que uma vodka não é capaz. O álcool abre a porteira para a boiada
do imaginado, do irrefreado adquirir substância no real sem fronteiras dos atos
valentes na verborragia cachoeira de grunhidos gritados como orquestra de um
homem só, desafinado e desafiador desalinho e abandono de si como aquela
garrafa voando ou aquele que dorme em meio aos produtos de seus intestinos
extrovertidos a cantar. Enfrentar sóbria a vida requer fibra e coragem o que
não é fácil. A vida ela própria age como uma mãe bêbada ou um pai, progenitor que
violenta a filha como se quisesse fazer-lhe um carinho mas a marca para o resto
da vida.
O caminhante com seus passos tropeças em suas
próprias pegadas, se perde e perde-se nas sendas, nas clareiras enganosas
da floresta que pensou transpor, segue intuindo o caminho na confiança cega de
um rio, que mais uns metros dentro da escuridão seca, secando a esperança de
sair dali. Dorme na madrugada eterna nem um pio de coruja ou uivar de lobos,
nada além do silêncio. Está morto, a morte é o vazio onde ele permanece na
escuridão. Será o inferno ou ele estará no sonho de alguém, estará ele
sonhando?
Caindo, caindo
a queda sem fim, escuridão, onde estará, um eco seco na garganta, angustias,
uma súplica ao sorriso da sorte, de encontrar enfim o fundo, o fim, que seja
agora, mas apenas a vertigem eterna dos condenados, pesadelo, qual é a saída,
e, sair do que, do vazio.
- Você já
acordou com a sensação de se estar caindo? Fugindo do inferno de existir,
voando por cima de si olhando a carcaça apodrecer.
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