quarta-feira, 28 de maio de 2014


“Ao dar com ele na muralha dos livros
senti o pavor
dos desenhos irreais,
das odaliscas por trás dos volumes,
senti o pavor, e senti
um perfume,
ele tirou a camisa,
foi para mim, fui quem viu,
e os desenhos chuparam-se mataborrões,
as odaliscas bailaram em mergulhos
sobre o espaço livre das páginas
e as letras dos papiros;
dançaram, estremecidas,
e ficou o pavor, pairando o perfume,
e a barba dele;
e na muralha dos livros
o inscrito na legião estrangeira
alhures, alhures, sonhou.
Miragens do deserto os desenhos?
fontes da juventude
com as barbas de molho?
ou perfume de nostalgia
que vem do beduíno visitante
com ares bárbaros citadinos
de quem muito convive com as gentes,
e esse perfume paira
com a retirada dele;
as odaliscas dão saltinhos contentes,
espreitando, atarefadas,
irrealizando desenhos nas muralhas,
no imenso espaço que fica, tempo-algum,
enquanto ele esteve aí em seu lugar
e eu no meu, absortos.

Rodrigo Temon: Minas Gerais

(“Estado de sítio”)

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