Ari Marinho Bueno 4
de setembro de 2011
“O maior de todos os mutismos não é o de calar, mas sim o de
falar”.
Kierkegaard
Eu odeio Carapicuíba.
Aqui tudo é sujo, as pessoas têm os sorrisos amarelos,
O novo nunca mascara o velho.
Cada quarteirão esconde o seu morto,
As pessoas tão cansadas disso, cada esquina têm uma sorte
danada pra ser
notícia de jornal de condomínio.
Jamais se consegue sair de casa para onde quer que seja
Sem torcer o nariz: o Tietê faz a sua companhia.
Nada é tão grande aqui que não seja menor que a ignorância
das pessoas.
Elas têm medo até da sombra, de um sorriso alheio, de uma
carranca alheia,
De serem confundidas com as vítimas da polícia, da política.
É que as tragédias são maiores em Carapicuíba,
Nós sabemos de cada ratoeira escondida, mas falta coragem.
Eu odeio Carapicuíba.
Esta madeira podre parece um sacrifício inútil,
Tão ruim o lugar que eu deixei?
Aqui as cabeças estão sempre baixas, não há amor que possa
erguê-las.
Esse sentimento de ódio é um parceiro suave, às vezes
inseguro,
Que instaura no meio em que vive a impressão de que tudo
caminha bem.
Os passos são lentos, a cidade é um canteiro de obras, mas
eu insisto.
O novo nunca fará do velho a redenção.
Estão todos perdidos, eu estou perdido, minha mente está
condenada
Como cúmplice pelas mortes, uma talvez mais.
As cabeças chatas de tão vazias, sonho que nunca acaba.
Vai para o túmulo junto com os prazeres, pois os dias são
assim mesmo.
Eu odeio Carapicuíba.
Tudo aqui é sempre igual.
As vinte e quatro horas abafadas de cada vez, as fachadas
sujas e os nomes,
E os preços, e os cálculos, e os calculismos e os pingados e
o que tem gosto
de rua e sempre mais e mais é o que precisamos.
É disso que precisamos, recolhermos toda bagagem adquirida.
Os anos são poucos, mas é preciso, é preciso colhermos os
dízimos.
A igreja que nos construiu tem um pastor faminto, a fome já
foi um pecado.
Conduz-nos a um caminho de tortura e sagração, e nem
suspeitamos.
Atravessar a rua é um gozo, tomar o trem é um gozo, todas as
putas daqui
gozando juntas.
Todo o agônico à máxima potência insuflado num átimo,
Mil vezes as marcas, mil vezes o tombo e mil vezes vida pra
mostrar do que se
é capaz.
Meu ódio tem um gosto sério, de fuligem.
Carapicuíba não é um amor?
Meu amor com este gosto amargo, e às vezes não consigo
dormir.
Cansados os olhos, em fogo o estômago, um comprimido,
preciso dormir.
É a comida sem digestão, a gula de fazer por onde não ser
outro.
Ser intruso num lugar onde todos são estranhos.
Quero atender todos os telefones que tocam agora, ao mesmo
tempo.
Se eu pudesse falar a verdade, o táctil das coisas é
fugidio, o sono,
Absolutamente certo o ruído vem para dar fim à falsidade.
Amar é uma gíria como qualquer outra das que ouço por aí,
Mas Carapicuíba é testemunha de que não faço por mal, se eu
conseguisse
falar a verdade ainda pode ser que desse.
Carapicuíba é uma tese de doutorado, e defendê-la é
corrupção.
Amo Carapicuíba como se quisesse falar a verdade.
Carapicuíba,
Outubro de 2007.
Ari Marinho Bueno
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