terça-feira, 5 de março de 2019

Os farsantes boiam em latrinas de águas turvas



Ontem, enquanto degustava morangos silvestres eu pensava em minha vida e naquilo que se transformou ao redor dela. Pensava na transitoriedade e em todos os seres vivos que de alguma forma fazem ou fizeram parte da minha caminhada. Concluí que eles e eu somos tão mutáveis quanto ao sol que queima lá fora, para depois, mal humorado feito criança birrenta desabar sobre nossos pobres e ineficientes guarda-chuvas. E isso inevitavelmente me remeteu às mulheres que freqüentaram a minha cama. Muitas das vezes tive a mais absoluta das certezas que aquela viera pra ficar. Pois é, ela não veio, as outras não vieram, e eu me pego aqui, mastigando meus morangos silvestres. Como a lembrança por vezes tem o poder de registro de uma câmera digital, relembro cada sorriso dos seus rostos, as curvas dos seus corpos e as frases soltas e apaixonadas que faziam-me supor que ali se encontrava a minha cara-metade. E quando achamos tê-la alcançado imaginamo-nos perfeitos e até surreais, como se pudéssemos vislumbrar o majestoso arco-íris despontando soberano sobre a densa neblina das manhas de setembro.

E o que falar dos meus amigos?
Por alguns teria colocado a cabeça a premio. Porém, hoje, nem sei onde andam, se estão vivos, se tiveram filhos pediatras, ou mesmo, abusando da mutabilidade mudaram suas opções sexuais. E quanto aos empregos que nunca sorriram pra mim? Ah, os meus empregos! Esses sim, em quantidade despropositada e tão variados que se transformaram no maior índice de transitoriedade nessa minha louca e cigana vida. .

E isso sem pormenorizar todas as minhas incertas certezas: O verde de hoje poderá assemelhar-se ao vermelho de amanhã. Talvez, a única convicção que me restou seja eu mesmo. E é essa certeza que me faz pressentir quando acerto, erro, ou me abstenho. E é por ela que sei quando sou verdadeiro, falso, ou se prejudico ou beneficio alguém. Mas, muitas vezes posso ser tão perverso que faço de tudo para que não remexam minhas entranhas e não descubram o meu outro desprezível “Eu”.
Véio China

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