Ontem, enquanto degustava morangos silvestres eu pensava em
minha vida e naquilo que se transformou ao redor dela. Pensava na
transitoriedade e em todos os seres vivos que de alguma forma fazem ou fizeram
parte da minha caminhada. Concluí que eles e eu somos tão mutáveis quanto ao
sol que queima lá fora, para depois, mal humorado feito criança birrenta
desabar sobre nossos pobres e ineficientes guarda-chuvas. E isso
inevitavelmente me remeteu às mulheres que freqüentaram a minha cama. Muitas
das vezes tive a mais absoluta das certezas que aquela viera pra ficar. Pois é,
ela não veio, as outras não vieram, e eu me pego aqui, mastigando meus morangos
silvestres. Como a lembrança por vezes tem o poder de registro de uma câmera
digital, relembro cada sorriso dos seus rostos, as curvas dos seus corpos e as
frases soltas e apaixonadas que faziam-me supor que ali se encontrava a minha
cara-metade. E quando achamos tê-la alcançado imaginamo-nos perfeitos e até
surreais, como se pudéssemos vislumbrar o majestoso arco-íris despontando
soberano sobre a densa neblina das manhas de setembro.
E o que falar dos meus amigos?
Por alguns teria colocado a cabeça a premio. Porém, hoje,
nem sei onde andam, se estão vivos, se tiveram filhos pediatras, ou mesmo,
abusando da mutabilidade mudaram suas opções sexuais. E quanto aos empregos que
nunca sorriram pra mim? Ah, os meus empregos! Esses sim, em quantidade
despropositada e tão variados que se transformaram no maior índice de
transitoriedade nessa minha louca e cigana vida. .
E isso sem pormenorizar todas as minhas incertas certezas: O
verde de hoje poderá assemelhar-se ao vermelho de amanhã. Talvez, a única
convicção que me restou seja eu mesmo. E é essa certeza que me faz pressentir
quando acerto, erro, ou me abstenho. E é por ela que sei quando sou verdadeiro,
falso, ou se prejudico ou beneficio alguém. Mas, muitas vezes posso ser tão
perverso que faço de tudo para que não remexam minhas entranhas e não descubram
o meu outro desprezível “Eu”.
Véio China
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