quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Gilberto e a viagem





Aquela noite seria fundamental para que pudesse resolver o velho dilema.
Iria ou não para Ibitirama?
Gilberto era assim mesmo, um camarada muito indeciso, medroso e mentiroso.
Não saberia dizer por que mas sempre tinha medo da noite, mesmo que a lua cheia clareasse todos os caminhos...
Aquela noite então era pior que as outras, o tempo nublado demonstrava que poderia encontrar alguns percalços no caminho e isso era assustador...
Dona Rita, como sempre preocupada, tentava demover a idéia fixa de João “Teimoso” Polino. Estava com pena do menino pois sabia que nada iria impedir o velho de executar o plano.
Levar Gilberto pela estrada era uma questão de honra, afinal o garoto já estava beirando os catorze anos e nunca tinha sequer saído dos arredores.
Depois de muita insistência, e de piores ameaças, Gilberto percebeu que não tinha outro jeito. O que não tem remédio, remediado está.
Dadinho, ria-se por dentro ao ver a aflição do irmão caçula.
Ritinha ajudando dona Rita nas preces e orações, estava preocupadíssima com o pobre garoto.
Pobre garoto em termos, pois o marmanjão com um metro e oitenta de medo e de mimo não parecia em nada com um garoto. Barba na cara e músculos expostos, medroso como ele só.
A noite estava fresca e tinha um vento que, ao invés de ajudar, servia para aumentar os temores do nosso herói.
Mas, o que fazer?
Embornal preparado, canivete para cortar o queijo e o pão que serviriam de alimento no idílio...
Tudo bem que eram somente nove quilômetros, mas pareceria uma eternidade...
Os barulhos e sustos noturnos são terríveis, uma simples coruja toma aspectos atemorizantes e Gilberto sabia disto...
Ao passar pela porteira que delimitava o pequeno sítio, fez o sinal da cruz e, cabeça escondida entre os ombros, partiu...
No primeiro barulho estranho, as calças pagaram o preço pela insegurança do rapaz.
Todo borrado, ficou numa situação difícil, tentando andar mas com o passar do tempo, o odor e a consistência do produto do medo foram ficando insuportáveis.
O medo libera toda adrenalina até que, de repente, Gilberto desmaiou.
Os raios do sol mal surgiam no horizonte quando, nosso amigo despertou do terrível pesadelo...
Como chegar em casa e dizer que não tinha conseguido ir a Ibitirama?
Mais que depressa, ardiloso como ele só, teve uma idéia.
Rasgou a blusa e o casaco com o canivete, riscando a pele até sangrar um pouco, não muito, mas o bastante...
Ao chegar em casa, dona Rita extremamente preocupada com o caçula, e ao ver o estado em que o pobre chegara não titubeou, veio correndo abraçar o menino...
Ao perguntar o que tinha acontecido, Gilberto pôs a imaginação para funcionar.
Uma onça, isso mesmo, uma onça havia chegado perto dele e preparava o ataque, os dentes e as garras à mostra, numa cena terrível e pavorosa...
Dadinho, macaco velho, ao sentir o cheiro que Gilberto emanava, começou a olhar meio desconfiado para o irmão, e sentindo que o mesmo estava mentindo, perguntou irônico:
- E aí o que você fez?
Gilberto, reparando que ia ser desmascarado, mais que depressa respondeu:
- Eu? Quer saber de verdade?
- Claro.
- EU ME BORREI TODO!!!!!


Marcos Loures 

 21 de julho de 2011 
               

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