Alceu Natali
Sempre tenho ideias, coisas para dizer, para escrever, fatos
que incomodam-me enquanto não conversar com eles, sentimentos imprecisos que
inquietam-me enquanto não tentar entende-los. Para lidar com essas impressões,
concretas e abstratas, reais e imaginárias, preciso de ajuda, ajuda de algo que
sensibilize a alma, que a alimente com lágrimas emotivas e incensuráveis.
Quando procuro ajuda, impaciento-me para encontrá-la mas, quando menos espero,
ela desponta, cantando para mim sem saber que veio socorrer-me, acreditando ter
encontrado alguém que a ouça com os ouvidos da alma. Então digo o que tenho
para dizer e o som numinoso alegra-se com nossa empatia, mas ainda pede-me uma
imagem que registre para sempre este encontro mágico, entre o pensamento e a
voz do princípio vital. A feição da alma muda a cada milionésimo de segundo e é
impossível captar o exato e raro momento em que ela sincroniza o elemento
psicóide da natureza com a transcendência da reflexão humana. Lembro-me de uma
vez quando sonhei que eu era um pintor e me pediram para explicar o sorriso de
Monalisa. Eu falei com desenvoltura por meia hora, esgotei todos os meus
conhecimentos sobre técnicas de pintura e conclui que não sabia dizer de onde
veio aquele sorriso da Gioconda. Os que indagaram-me, explicaram-me que o
sorriso dela partiu do coração, antes que o cérebro recebesse qualquer estímulo.
Por isso, deixo estas imagens surgirem ao acaso, e elas aparecem, supostamente
indiferentes, mas já produzidas com propósitos definidos e perdidos, um dos
quais sempre vem ao encontro de minhas necessidades antes mesmo que elas tenham
nascidas. Há pouco tempo, tive uma sensação incomum. Apareceu diante de mim o
retrato de uma alma pedindo-me para explicar-lhe que devaneios divinos e que
cânticos angelicais registraram sua imagem. Minha querida, eu te chamo de
querida porque a alma é feminina, enquanto o corpo é masculino, e a mente, que
une os dois, é a sizígia, ou a própria anima que é a interlocutora entre a
psique e seu centro regulador que chamamos de Deus. Minha querida, eu gostaria
de ser puro, como o branco, mas não sou, e, se você acha que tenho alguma
inclinação à alvura, não se engane, pois sou um ser ambivalente e o que você vê
em mim é o positivo do retrato de minha alma, mas negativamente carregada de
todas as misérias humanas resgatadas de volta a uma caixa de Pandora, e
recomposta de todas as cores do espectro devolvidas à sua fonte original
através do mesmo prisma que as separaram, transformando-me no enganoso vazio
total e neutro da cor que não representa apenas a ausência de cores ou a soma
de todas elas, mas também uma contraposição ao nada que é gelado, escuro e
assustadora e desproporcionalmente maior do que o insignificante todo para o
homem, essas pedrinhas luminosas e solitárias que salpicam o breu sem-fim. Se
eu me desvio para o branco, não é porque eu sou puro, pois nem mesmo meus terapeutas
tiveram acesso ao meu lado sombrio, e nem porque sou um pacifista por
convicção, mas por conveniência, pois minha apologia a não violência é apenas
um simulacro para camuflar meu medo, daí o fato de minha face, às vezes,
parecer estar pálida de sobressaltos. Na verdade, eu sou um medroso e sempre
amarelo, mas sem as rédeas curtas de minha fobia social e de meu acanhamento,
posso transformar-me numa fera indomável, como a matiz áurea que rechaça todo
tipo de atenuação e transborda da tela onde o pintor tenta enclausurá-la com
outras nuanças. Mas você é sublime, mais alva que o branco supremo, por isso
muda de cor, como o negro do ébano que parece azul de tão negro. E você é como
o branco do marfim que parece rosáceo de tão branco. Quem te fotografou, imaginou
a vida como ela deveria ser hoje, e sua imagem deve ter sido captada ao som do
que os cientistas chamam de big bang, quando o universo foi gerado, e as
predisposições para cria-lo não são dos mesmos que tiveram a ideia de inventar
Deus, antecipando que ele seria uma explicação plausível para este momento
singular de sua alma.
20 de abril de 2011 15:18
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