Dois seres pálidos apagam suas sombras ao abandonarem as
réstias de luz, seguem fracos e rastejantes como moribundos esperançosos na
direção da escuridão plena, porque só no mais puro breu nasce a semente vital
que alimenta os seus espíritos, semente que abre as cortinas da alma, fechadas
durante a temporada do sol.
Dos habitantes diurnos só querem o sangue contaminado que
corre pelos corpos debilitados, aliás, esses seres obscuros valorizam muito
mais o sangue por não possuí-lo naturalmente, é preciso consegui-lo a partir
dos homicídios (nem sempre premeditados), assaltos a hospitais ou contribuições
dos suicidas, que estão cada vez mais raras visto que esses kamikazes de hoje
só querem mesmo morrer sem dor, uma morte calada num cômodo de apartamento impenetrável.
Antigamente, corria nas veias um sangue mais limpo, regido
ainda por algumas ordens naturais, sem tanta química corrosiva. Antigamente,
sangue era néctar e quem quisesse morrer o fazia com honra e tiro e foice, às
vezes corda e o desespero avisava aos seres da noite que o banquete estava
servido, agora morre-se por pílulas, analgésicos e calmantes em excesso e
nenhum alarme soa aos ouvidos dos sedentos noturnos… o fim também está próximo
para eles, por mais que saiam das tocas lacradas assim que o sol se põe, na
cansativa busca pela vida carregada de contagem regressiva.
O fim se aproxima e o dia é apenas o prelúdio.
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