Escrevo da praia, para onde vim me refugiar em busca das
férias míticas que não acontecem nunca. Bem, férias são a sua própria procura,
o oásis que avança pelo tempo. Estou aqui nesta geografia que, felizmente,
ainda não existe nos grandes mapas; é só um balneário entrar no mapa, e adeus
sossego. Bem, isso é conversa de sessentão; tivesse eu meus 20 anos, quereria
os grandes mapas, onde a vida trepida – não, não é verdade; nos meus 20 anos eu
queria era me esconder, poeta, na Ilha de Superagui, na solidão da Praia
Deserta. Fui para lá várias vezes, politicamente incorreto, caçar jacaré sob o
comando do capitão Rio Apa e sua trupe, numa baleeira muito adequadamente
chamada de Anarco, que subia o canal de Ararapira. Nunca pegamos nenhum, mas o
importante era a busca da solidão. O que prova, talvez, que mudamos muito
pouco.
Também não é verdade – desculpem, a vida é confusa. Porque o
que eu quero mesmo hoje é menos solidão e mais um sossego controlado,
pausterizado e, de preferência, com ar condicionado. Naqueles tempos bárbaros,
povoados de hunos, alanos e vândalos ululantes cheios de ideais regressivos,
este desejo de conforto seria a prova definitiva da minha decadência.
Fiquemos aqui no meu paraíso caseiro, que está a uma hora e
pouco de Curitiba, ainda sem engarrafamentos colossais, desses que aparecem na
tevê. Estou na fronteira difusa entre Gaivotas, que já é quase popular, e
Caravela, ou Caravelas, que ninguém sabe que existe – lembro vagamente de uma
placa verde com esse nome na beira da estrada, ali adiante, e o pessoal não
iria inventar um balneário fantasma. Neste “não lugar” eu me refugio, quando
preciso despressurizar um pouco. E, afinal, aqui vejo meu amigo lagarto – ou
algum representante de uma linhagem de lagartos que há décadas habita o quintal
da casa. Desconfiado, um deles já deu as caras, e desapareceu com a mesma rapidez.
Aqui tenho algo próximo do silêncio, a mercadoria mais rara
do mundo moderno; se você quer silêncio, vai pagar muito por ele. Mas nessa
toca ainda consigo uma réstia grátis de silêncio; à noite, ouço o mar, que é
uma espécie alternativa de silêncio; e, durante o dia, os carros que passam
adiante são um ruído que se ouve sem ouvir. Os perigosos bárbaros do som de
porta-malas aberto têm sido raros nas redondezas com seus decibéis assassinos,
o que indica que a civilização, pouco a pouco, avança. É verdade que nos fins
de semana explodem com entusiasmo as waps e os cortadores de grama; e, ao
entardecer, um piromaníaco sempre decide botar fogo em algum lixo que vai
empestear de fumaça o ar em torno por várias horas – podemos fugir de tudo,
menos do ar. Às vezes alguém estoura uma bomba só pelo prazer do susto. Mas o
saldo ainda é razoável: leio um livro, olho o céu, enfrento o fogão, curto o
netinho, penso na vida.
Cristovão Tezza.
Gazeta do Povo.29/04/2014
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