Pode parecer delirante, puro
devaneio, mas venho prognosticando o desaparecimento do chamado mundo interior
dentro de alguns anos.Uma alucinação? Uma visão? Pode ser, é claro. No entanto,
não estou sozinho nessas maluquices. Afinal, muito já se falou e se escreveu
sobre questões estranhas e impertinentes.Um dos objetivos da alquimia, por
exemplo,era transformar metais inferiores em ouro.Outro era descobrir o elixir
da longa vida que curaria todas as doenças.
Portanto, não me falta
atrevimento e ignorância nessa sugestão mencionada no início.E para reforçar
aquela ideia encontrei, em releitura de Bachelard, alguns textos que podem
clarear e enriquecer meu prognóstico. Um deles , o que trata da casa natal e a
casa onírica, o autor confessa : "Eu não sonho em Paris, neste cubo
geométrico, neste alvéolo de cimento, neste quarto com venezianas de ferro tão
hostis à matéria noturna.Quando os sonhos me são propícios, vou para longe,
numa casa na Champagne, ou nalgumas casas onde se condensam os mistérios da
felicidade".
Mais adiante, Bachelard diz:
"De resto, colocando-nos no mero ponto de vista da vida que sobe e desce
em nós, percebemos bem que viver num andar é viver bloqueado. Uma casa sem
sótão é uma casa onde se sublima mal; uma casa sem porão é uma morada sem
arquétipos".
E Kafka,citado por Max Brod,
morou numa casinha de quarto, cozinha e sótão erguida sobre a terra, em Praga,
na Alchymistengasse. E escreveu o que segue: "É um sentimento muito
particular o de ter sua casa, de poder fechar para o mundo a porta não de seu
quarto, não de seu apartamento, mas simplesmente a de sua casa; de pisar
diretamente, ao sair, a neve que cobre a rua silenciosa..."
Minha suposição é que o novo
jeito de morar também deve estar contribuindo para esse fenômeno de
horizontalização e falta de reflexão acelerada pelos avanços tecnológicos. A
velocidade vertiginosa e a multiplicidade sedutora dos celulares, também
colaboram nesse espécie de apagamento da interioridade. Ou pelo menos diminuem
a capacidade reflexiva, a percepção do estar-aí e uma porção de coisas
semelhantes.
Como sou velho e vivi todos
esses períodos de transformações, fico assustado quando vejo as pessoas, no
metrô e em ônibus, envolvidas com esses aparelhinhos, sem se dar conta do mundo
real em sua volta.
Rubens Jardim
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