sábado, 10 de junho de 2017

Sobre oficinas & criações:


Não são poucos (escritores sobretudo) que torcem o nariz quando o assunto são oficinas de escrita criativa. Dizem que escritores não se fazem em cursos e escolas. De fato, não há fórmulas para formar escritores e artistas. Mas a questão não é esta. Acho que por trás dessa ideia há um laivo de nossa herança romântica: a ideia de que a espontaneidade e a inspiração estariam por trás de toda autêntica criação literária.
Todavia, não se pensa a mesma coisa quando a o assunto são músicos ou artistas visuais. Ninguém diz que um conservatório, uma academia ou mesmo o estudo com afinco prejudiquem a formação desses artistas. O mesmo vale para as oficinas de criação literária: elas não criam escritores, não fazem surgir do nada Dostoievskis e Kafkas. Apenas oferecem ferramentas para o amadurecimento, quem sabe, de Tolstoys ou Baudelaires em potencial. Quando muito, ajudam na formação de leitores mais críticos. E todo grande escritor é primeiramente um grande -- e crítico -- leitor.

 Como o nosso sistema literário, segundo Antonio Candido, atingiu a maturidade somente no final do romantismo, o romantismo deixou por assim dizer uma marca indelével em nossa sensibilidade literária. Na verdade, somos todos românticos. Acreditamos em espontaneidade, inspiração, autenticidade. Nosso maior parnasiano, Bilac, é no fundo um romântico com cabeleira aparada. Nossos modernistas são quase todos românticos, até no pretenso desleixo. Na verdade, a primeira reação séria contra o espírito romântico na poesia se deu com João Cabral de Melo Neto, secundado pelos concretistas. Daí sua importância. Mas foi praticamente uma exceção. O neoconcretismo já retoma características românticas. Leminski, filho dos concretos, já é novamente romântico. Então, não é de se estranhar a resistência tácita em nosso meio ao estudo, treino e disciplina naturalmente presentes na ideia de oficina. É verdade que a maioria dos escritores não fizeram oficinas, nem elas existiam em seu tempo. Fizeram a oficina da vida. Mas nela, lendo, relendo, escrevendo e reescrevendo, treinaram-se como escritores. Se o hábito não faz o monge, oficina não faz o escritor – é fato. Mas pode dar uns toques, uns saques. Não existe, na arte, criação ex niilo. Ninguém compõe uma Nona Sinfonia sem contato com música. Ninguém escreve Ulysses sem muita quilometragem. O garoto Rimbaud era um rato de biblioteca e viveu no olho do furacão em tempos interessantíssimos. Todo artista é um artífice e toda arte ainda traz um quê de artesanato. O resto é jogar pra torcida.


Otto Leopoldo Winck

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