Não são poucos (escritores sobretudo) que torcem o nariz
quando o assunto são oficinas de escrita criativa. Dizem que escritores não se
fazem em cursos e escolas. De fato, não há fórmulas para formar escritores e
artistas. Mas a questão não é esta. Acho que por trás dessa ideia há um laivo
de nossa herança romântica: a ideia de que a espontaneidade e a inspiração
estariam por trás de toda autêntica criação literária.
Todavia, não se pensa a mesma coisa quando a o assunto são
músicos ou artistas visuais. Ninguém diz que um conservatório, uma academia ou
mesmo o estudo com afinco prejudiquem a formação desses artistas. O mesmo vale
para as oficinas de criação literária: elas não criam escritores, não fazem
surgir do nada Dostoievskis e Kafkas. Apenas oferecem ferramentas para o
amadurecimento, quem sabe, de Tolstoys ou Baudelaires em potencial. Quando
muito, ajudam na formação de leitores mais críticos. E todo grande escritor é
primeiramente um grande -- e crítico -- leitor.
Como o nosso sistema
literário, segundo Antonio Candido, atingiu a maturidade somente no final do
romantismo, o romantismo deixou por assim dizer uma marca indelével em nossa
sensibilidade literária. Na verdade, somos todos românticos. Acreditamos em
espontaneidade, inspiração, autenticidade. Nosso maior parnasiano, Bilac, é no
fundo um romântico com cabeleira aparada. Nossos modernistas são quase todos
românticos, até no pretenso desleixo. Na verdade, a primeira reação séria
contra o espírito romântico na poesia se deu com João Cabral de Melo Neto,
secundado pelos concretistas. Daí sua importância. Mas foi praticamente uma
exceção. O neoconcretismo já retoma características românticas. Leminski, filho
dos concretos, já é novamente romântico. Então, não é de se estranhar a
resistência tácita em nosso meio ao estudo, treino e disciplina naturalmente
presentes na ideia de oficina. É verdade que a maioria dos escritores não
fizeram oficinas, nem elas existiam em seu tempo. Fizeram a oficina da vida.
Mas nela, lendo, relendo, escrevendo e reescrevendo, treinaram-se como
escritores. Se o hábito não faz o monge, oficina não faz o escritor – é fato.
Mas pode dar uns toques, uns saques. Não existe, na arte, criação ex niilo.
Ninguém compõe uma Nona Sinfonia sem contato com música. Ninguém escreve
Ulysses sem muita quilometragem. O garoto Rimbaud era um rato de biblioteca e
viveu no olho do furacão em tempos interessantíssimos. Todo artista é um
artífice e toda arte ainda traz um quê de artesanato. O resto é jogar pra
torcida.
Otto Leopoldo Winck
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