Detrás das cortinas eles sabiam que a caía a noite. E em
breve seria hora de se separarem. Cada um para a sua vida. Cada um para o seu
lado. Mas enquanto não chegasse esta hora, os dois permaneciam imóveis,
abraçados. No corpo dele o cheiro dela. No corpo dela o cheiro dele. A vida
reúne e separa as pessoas. Aproxima e distancia os caminhos. Ali estavam os dois,
reunidos e aproximados por algum desses desígnios insondáveis da vida. Mas em
breve se separariam e provavelmente se distanciariam. O caminho dele iria para
um lado. O dela para o outro. Durante algum tempo esses caminhos avançariam
paralelos mas em pouco tempo se distanciariam como os braços da letra Y.
Chegaria um tempo em que não mais se enxergariam, tão longe um do outro teriam
ficado. Sim, pessoas que ontem foram próximas, não raro amanhã tornam-se
estranhas. Às vezes o destino os reúne novamente – só para mostrar que a
distância deixou suas marcas para sempre. Numa festa, num bar, numa loja os
dois de repente se topam. Aí, depois de segundos de dúvida, quando ainda dá
tempo de fingir não ter reconhecido o outro, os olhares se cruzam e emite-se o inevitável:
oi, é você? A conversa flui aos trancos, constata-se quanto o outro envelheceu
e imagina-se que ele (ou ela) está pensando o mesmo. Não, era melhor não terem
se encontrado. O tempo produz devastações na alma e nos afetos da gente. Na
memória também. Mas agora o tempo ainda não passou. Não passou de todo. Está
passando, claro, lenta e irresistivelmente como os relógios e as águas dos
rios. (O relógio você pode parar, o rio também pode-se represar, mas há um
outro rio, você sabe, todos sabem, que nunca cessará e sempre correrá para o
mar ao mesmo tempo tenebroso e fascinante do não-ser.) Mas ainda não passou de
todo, o tempo. É só a noite que está caindo. Não a última noite. Apenas mais
uma noite. Lá fora o mundo segue aparentemente igual. Um mundo, vamos convir,
bastante insosso, monótono, vulgar. Um mundo que não sabe o que houve nesta
tarde, que não merece saber o que houve nesta tarde porque nunca entenderá, um
mundo que não precisa desta tarde assim como esta tarde não precisa desse
mundo. Os dois estão abraçados. Impregnados um do outro. Cansados dos
movimentos pélvicos que há pouco os convulsionaram. O cansaço e uma sensação
apaziguadora os amortece. As pálpebras pesam. As batidas do coração
desaceleram. A temperatura esfria. Os dois se abraçam mais e puxam as cobertas.
Detrás das cortinas eles sabem que caiu a noite. E em breve será hora de
partirem. Cada um para o seu lado. Cada um para a sua vida. Mas enquanto esta
hora não chega, os dois permanecem imóveis, colados, calados. No corpo dele o cheiro
dela. No corpo dela o cheiro dele. A vida reúne e separa as pessoas. Aproxima e
distancia os caminhos. Em breve os dois estarão separados. Mais tarde é
provável que se tornem estranhos um para o outro e quando o acaso os cruzar
numa festa ou numa esquina mal saberão o que falar entre si. E aí? Não importa.
Este dia ainda não chegou. Esta festa ou esta esquina ainda se acham distantes.
O cheiro dela ainda está nele. O cheiro dele ainda está nela. E os dois sabem
que vai custar a sair.
Otto Leopoldo Winck
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