Quando perdi a pessoa com a qual convivia diariamente, senti
falta de conversas que tinha; passeios que faziamos juntos; a cumplicidade nos
projetos de trabalho e afetivos, o seu grande apoio em tudo que eu fazia. A
perda foi abrupta e me afastei de amigos mais antigos, sem perceber que assim o
fazia. Porém continuei trabalhando em projetos nos quais todos diriam ser
loucura, um passatempo inútil. Mas agora estou colhendo os frutos do que
plantei. Não consegui, ainda, ficar feliz com o relativo sucesso, porque a
pessoa que lutou comigo por isto já partiu. Minha mãe me acompanhava, mesmo não
entendendo bem o que eu fazia. Parece que fiquei preparada pelo luto recente
para perdê-la. Sinto mais paz do que tristeza. Para me consolar, dizem:
"cumpriu sua missão". Concordo inteiramente. Uma pessoa de 80 anos já
viveu muito, e bem, desfrutando do que achava ser a plenitude da existência.
Deixar as outras pessoas felizes (ou confortáveis) com seu esforço, ensinar
aqueles com os quais convivia a serem alegres, pacientes e a terem persistência
nos sonhos e esperança nos fracassos. Não ter luxo nenhum, apesar de poder ter
tudo, porque havia trabalhado o suficiente para dar a volta ao mundo quantas
vezes desejasse. Os japoneses usam a expressão yasetai - definhou - quando
parece que alguém não quer lutar mais pela vida. Acho que ela lutou - até para
não viver demais, doente, incomodando os outros. Foi indo lentamente, só não
via quem era cego. Quando estava no hospital, perguntei a ela se era correto
dizer "Yoi otoshi wo("Feliz Ano Novo" ) no dia 31 de dezembro e ela
respondeu: não, se diz "yoi otoshi wo mukaete kudasai". Há tanto a
lembrar sobre memórias antigas, embora nos últimos tempos ela estivesse mais
adaptada à cultura caiçara. São poucos os que conseguem que o legado cultural
seja transmitido de uma geração para a outra. Já não sou adepta das tradições
reinventadas dos imigrantes japoneses porque estudei para ter uma visão crítica
sobre questões de identidade. Não sei qual será o reflexo destas memórias tão
particulares para a minha arte. Mas sei que sim, admiro estas pessoas que se
foram, e ensinaram que o verdadeiro sentido da vida é a alegria da convivência
(o que não raro implica atrito) não só com a família: também com os vizinhos,
as pessoas mais simples e os poderosos da comunidade na qual se habita.
Marilia Kubota
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