quarta-feira, 11 de janeiro de 2017



Quando perdi a pessoa com a qual convivia diariamente, senti falta de conversas que tinha; passeios que faziamos juntos; a cumplicidade nos projetos de trabalho e afetivos, o seu grande apoio em tudo que eu fazia. A perda foi abrupta e me afastei de amigos mais antigos, sem perceber que assim o fazia. Porém continuei trabalhando em projetos nos quais todos diriam ser loucura, um passatempo inútil. Mas agora estou colhendo os frutos do que plantei. Não consegui, ainda, ficar feliz com o relativo sucesso, porque a pessoa que lutou comigo por isto já partiu. Minha mãe me acompanhava, mesmo não entendendo bem o que eu fazia. Parece que fiquei preparada pelo luto recente para perdê-la. Sinto mais paz do que tristeza. Para me consolar, dizem: "cumpriu sua missão". Concordo inteiramente. Uma pessoa de 80 anos já viveu muito, e bem, desfrutando do que achava ser a plenitude da existência. Deixar as outras pessoas felizes (ou confortáveis) com seu esforço, ensinar aqueles com os quais convivia a serem alegres, pacientes e a terem persistência nos sonhos e esperança nos fracassos. Não ter luxo nenhum, apesar de poder ter tudo, porque havia trabalhado o suficiente para dar a volta ao mundo quantas vezes desejasse. Os japoneses usam a expressão yasetai - definhou - quando parece que alguém não quer lutar mais pela vida. Acho que ela lutou - até para não viver demais, doente, incomodando os outros. Foi indo lentamente, só não via quem era cego. Quando estava no hospital, perguntei a ela se era correto dizer "Yoi otoshi wo("Feliz Ano Novo" ) no dia 31 de dezembro e ela respondeu: não, se diz "yoi otoshi wo mukaete kudasai". Há tanto a lembrar sobre memórias antigas, embora nos últimos tempos ela estivesse mais adaptada à cultura caiçara. São poucos os que conseguem que o legado cultural seja transmitido de uma geração para a outra. Já não sou adepta das tradições reinventadas dos imigrantes japoneses porque estudei para ter uma visão crítica sobre questões de identidade. Não sei qual será o reflexo destas memórias tão particulares para a minha arte. Mas sei que sim, admiro estas pessoas que se foram, e ensinaram que o verdadeiro sentido da vida é a alegria da convivência (o que não raro implica atrito) não só com a família: também com os vizinhos, as pessoas mais simples e os poderosos da comunidade na qual se habita.

Marilia Kubota

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