quarta-feira, 2 de maio de 2018

QUE TREMAM OS ACOMODADOS




Priscila Prado



O trema está trêmulo - dizem que este ano cai.

Querem apagá-lo do Português-Brasileiro, na forma que nos é peculiar.

Nosso trema é um tique, um truque, um toque feminino: duas pitadas de delicadeza para romper a rigidez da sílaba com a modulação sinuosa do "u".

Querem alcançar a padronização lingüística!

Esquecem que nossa diversidade é nossa riqueza. E que o sinal que nos distingue é também o que nos identifica.

Dizem que, com a supressão do trema, o idioma ficará simplificado.

Esquecem que o caminho mais fácil nem sempre é o mais belo, mais útil, ou mais agradável.

Acham que o trema é uma das "chatices" da nossa língua - mas, nunca ouvi dizer que algo se tenha tornado menos chato por se ter tornado mais monótono.

O trema são covinhas no sorriso do "u".

É ele que condimenta a lingüiça.

Torna mais repetitivas as intermitências de algo que é freqüente.

Denuncia a propriedade de movimento dos aqüíferos.

Põe gotas de suor ou lágrimas em algo que não mais se agüenta.

Empresta cor, cadência, malemolência, ginga – mesmo a palavras áridas ou graves como "argüição", "conseqüência", "qüinqüênio", "ungüento", "iniqüidade".

É o brilho par da justiça em "eqüidade".

É o vento vibrando a superfície de um lago tranqüilo: tranqüilo e vivo.

Sem o trema ficaria prejudicada a eloqüência da brasilidade em nossos gestos.

Reservo-me o direito a meus tremas – e meu computador até completa as cumeeiras do "u" se por descuido os esqueço.

Eu sou a favor da simplicidade! – mas por princípio, não por preguiça: almoçaria sem toalha na mesa domingueira – mas não sem flores.

Em outras palavras: há que simplificar – porém sem perder a "tremura" jamais!



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