segunda-feira, 21 de maio de 2018

Um breve instante




Tomo um chá enquanto escrevo
O resto de tudo o mais
Dilui-se na ilusão dos dias
Ontem, por exemplo, choveu
E fez frio as horas todas em que não estivemos juntas
Pensei em ti enquanto olhava a mendiga de minha rua
Encolher-se num canto onde o vento machuca menos
Pensei no quanto amo tuas mãos de amarrar nuvens
Quando o moço viciado em crack me apresentou o papel da receita
E pediu que lhe inteirasse o dinheiro para a compra do remédio
Chorei muito e odiei o mundo
Ao ler a notícia da menina encontrada morta
Com marcas de estupro e o coração arrancado
Lembrei do quanto amo teu abraço mar em torno da ilha de minha tristeza
E meu tanto querer voou ao teu encontro
Minha alma valsou feito o violinista de Chagall
à volta de tua figura
Será que você sentiu
Esse meu beijo-pensamento, ontem às seis da tarde?
Ah, deixa-me dizer que isso não é romantismo
Não tenho ilusões de casamentos
Nem grandes festas
Em que todos os presentes esqueçam
Por algumas horas
Que chove e faz frio
Que o vento violenta a mendiga de minha rua
Que o garoto sonha com a química que o destrói
Que pelos caminhos de crianças de dez anos
Rondam homens maus que lhe arrancarão a vida, a alma e o coração
Não mais escrevo poemas, meu bem
Sentir e dizer o que sinto
É tudo o que sei e faço
Com o desejo único de que em algum momento
Meus olhos barcos avistem
Ainda que por um breve instante
Esses teus olhos horizontes
Antes que se feche a noite, o sono e o sonho




Assionara Souza

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