sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017


Fui comprar um refri, num boteco-restaurante, e eis que ouvi a seguinte conversa:
– Sabe como eles fazem pra descobrir esse negócio dos planetas, né, Adonis?
Adonis é um camarada baixo, gordinho, atarracado, de bigode e cavanhaque, com cabelo comprido preso. Seu inquiridor é um sujeito alto, mais para magro, com os dentes em péssimo estado, mas que, pelo jeito, entendia um certo tanto de coisas sobre astronomia – falava de modo embolado.
– Fazem o quê?
– Esse lance da reportagem, de descobrir planetas. É pela luz, eles analisam as cores, o espectro, e daí conseguem saber se o que tem no planeta é água em estado sólido ou líquido, se são gazes e por aí vai. Conforme a cor. Tudo observando a luz, quando ela passa pelo telescópio com o mecanismo feito pra isso.
– Ah...
– É. E agora descobriram isso aí, sete planetas com condições pra abrigar vida. Mas tudo em tese, tudo só tecnicamente, porque na prática, mesmo, não têm como demonstrar nada. Não têm como provar.
Adonis estava mais preocupado em organizar o caixa do seu restaurante. Mas é bom ouvinte. Seu amigo prossegue.
– Mas também é sempre assim, nem a Nasa nem nenhum desses lances aí vai admitir muita coisa. É que eles sabem... Já tão preparando o pessoal pra grande revelação que vai acontecer em 2020.
Adonis resmunga
– É, tá certo, em 2019. O universo com esse tamanho todo e os caras o tempo inteiro dizendo que “não, só aqui na Terra tem vida, só aqui tem aviãozinho e foguete e em nenhum outro lugar”. Tá bom. Imagina quando os caras chegarem aqui?
A conversa tomou um rumo científico-filosófico que não me permitiu acompanhá-la. Além disso, estava preocupado demais com a minha sede e me distraí com um diorama improvisado contendo trens e uma paisagem pitoresca, tudo desproporcional, bizarro e exótico. Um trem e um vagão, como só na terra devem existir.
Fui para o caixa e o Adonis, talvez entusiasmado com todo o diálogo anterior, disse “Água tônica e um doce? Já tentei tomar isso, mas não consegui”. Respondi que era pra contrabalançar e que, com azia, descia que era uma beleza. “É ruim demais, não tem como”, finalizou, como quem dissesse boa sorte com esse mau-gosto.
Será que algum outro lugar no universo é capaz de fazer uma água como essa, tônica?




Yury Miyamura

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