domingo, 2 de setembro de 2018


eu, que conheço o enigma das linhas
que cresci vendo carreteis desenrolarem-se nas máquinas de costura
vendo a paixão triste -
o sentimento de sombra que as mulheres cultivam pelo inconsútil / em silêncio, em segredo

/ à intermitência dos ciclos de seus fios
de sangue /

eu, que sei que sou
como elas - as mulheres de ontem

-

e que venho ferida do enigma
das linhas

e que por vezes penso que qualquer palavra que designe fogo pode ser uma versão
mais rudimentar do teu nome - eu, que digo teu nome assim, suspenso
à linha do horizonte

ferido pela tênue incisão
do pássaro

-

"pampa, estou me dessangrando em teus poentes" - assim escreve jorge luis borges

num poema que não me sai da cabeça há semanas

(...)

esta noite me deito contigo
e descubro com a ponta dos dedos
pelo tato

as linhas da palma da tua mão

sei que não tenho muito tempo
amanhã, à luz do dia, outra mulher te encontrará e lerá nessas linhas todo teu futuro -

que leia
ao amanhã o amanhã

sei que é noite, amor / é noite, ainda
e, se me deito contigo, é porque aprendi a te amar assim, no escuro - à sombra do teu primado
de lábios

do húmus

se me deito contigo, é para amar-te ao meu modo: um pouco antes do início
do mundo

antes que deus separasse as duas águas com o arco
e as chamasse de céu e de mar

os teus olhos e os meus

Marceli Andresa Becker


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