“Que demônio mais versátil!”
Raduan Nassar
As cordas – este corpo – tocas
com as notas nos teus dedos;
matéria acústica, madeira de ventre
ressoam o movimento.
Mistério que preenche, vazio por vazio,
a cadência de sangue.
Pressentes as imagens na substância da caixa;
qual Pandora, insubstancial, sobre a cama,
em pestes de aço, que avultam, cantando.
Gemes, na cegueira com que, versátil,
o teu demônio dança; ventre
tangendo o punho do metal;
dedos em pestana, rugem
rangendo no solo
pés de improviso.
Retorcem, dilatando, no exílio,
os rastros de Mnemosine,
para a língua dos sons.
Tocas um corpo e toda uma utopia.
O imaterial; mas a matéria de teus dedos,
mas o teu movimento; mais, o som
deste mistério, como um símbolo
a devorar no silêncio; caminhas
como se inventasses uma alma;
lúcido, no mito órfico, tua música
me vislumbra, na fálica predição
ou nas cavas, tantas vezes
por vir; quando tocas nas cordas
a semear neste silêncio, morro,
sem que ao menos olhes para trás.
Eu que te ouço, desde a música
sou a mulher. E trágica libertação.
Volvemos, cada qual, ao seu redemoinho,
cansados de labirintos, como se soubéssemos
adivinhar o início furioso
e convulso do toque ancestral;
antes da exaustão concêntrica
e subterrânea das ondas.
Agora, em cantábile, amansando águas,
como se mudassem referentes,
só que os deuses lembram os mesmos ecos
da força mítica de tuas notas;
apenas migraram instrumentos
no meu corpo imemorial.
RTD
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