domingo, 30 de setembro de 2018

Uma anedota de papai antes de sair das redes sociais e ir cuidar da outra parte da vida.


Ana Cristina Rodrigues


Não tinha corrupção na ditadura, né? Pois bem.

AI-5. Papai trabalhava na padaria do tio dele, ali em Botafogo, na Voluntários da Pátria. Tio-avô era grande no sindicato patronal na época e foi à Brasilia. O AI-5 veio junto com um monte de coisa, pacotão de barbaridades, inclusive uns tabelamentos de preços bizarros e etc, o que gerou essa tentativa dos patrões de ir conversar com os militares.

(Patrão ainda tentava, trabalhador é que nem isso)

Papai ficou encarregado da padaria.

Chega fiscal de pesos e medidas. Primeira coisa que ele pede é o 'faz-me-rir'. Mas meu tio não deixou papai avisado e se tinha uma pessoa de quem meu velho tinha medo, era desse meu tio-avô.

(Flashback da minha infância: meu tio-avô no quintal cortando cabeça de peixe pra janta com um facão GIGANTE chamando meu pai de 'pouco inteligente' para baixo. Um amor de pessoa. Sdds, tio Antônio)
Pai fez o quê? Pediu milhares de desculpas, mas não tinha ordens pra dar nada. O fiscal olhou a padaria inteira de cima a baixo... e mandou pesar os tabletes de manteiga.

(Na época, manteiga vinha em um tabletão gigante e na padaria se cortava em tabletes de 200g e 500g, enrolava em um papel específico, papel manteiga.)
Aí, ferrou. Manteiga perde peso fácil e meu pai tinha vacilado e colocado os tabletes com o peso certo - ou seja, uns 5 tabletes estavam com 195g.

Resultado?

Papai preso por 2 dias até meu tio-avô voltar de Brasília, o soltar e lhe dar O ESPORRO.

'Mas tio, era preu tirar o dinheiro do caixa e pagar a propina?'

'Claro que não, era pra tirar do seu! Acha que ser encarregado de um comércio não tem custos?'
(Isso serve de lição pra vcs que acham que a ditadura só prende subversivos. Não existia pessoa mais anti-comunista que papai. Sim, eu sei, me chamem de karma.)

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