Ana Cristina Rodrigues
Não tinha corrupção na ditadura, né? Pois bem.
AI-5. Papai trabalhava na padaria do tio dele, ali em
Botafogo, na Voluntários da Pátria. Tio-avô era grande no sindicato patronal na
época e foi à Brasilia. O AI-5 veio junto com um monte de coisa, pacotão de
barbaridades, inclusive uns tabelamentos de preços bizarros e etc, o que gerou
essa tentativa dos patrões de ir conversar com os militares.
(Patrão ainda tentava, trabalhador é que nem isso)
Papai ficou encarregado da padaria.
Chega fiscal de pesos e medidas. Primeira coisa que ele pede
é o 'faz-me-rir'. Mas meu tio não deixou papai avisado e se tinha uma pessoa de
quem meu velho tinha medo, era desse meu tio-avô.
(Flashback da minha infância: meu tio-avô no quintal
cortando cabeça de peixe pra janta com um facão GIGANTE chamando meu pai de
'pouco inteligente' para baixo. Um amor de pessoa. Sdds, tio Antônio)
Pai fez o quê? Pediu milhares de desculpas, mas não tinha
ordens pra dar nada. O fiscal olhou a padaria inteira de cima a baixo... e
mandou pesar os tabletes de manteiga.
(Na época, manteiga vinha em um tabletão gigante e na
padaria se cortava em tabletes de 200g e 500g, enrolava em um papel específico,
papel manteiga.)
Aí, ferrou. Manteiga perde peso fácil e meu pai tinha
vacilado e colocado os tabletes com o peso certo - ou seja, uns 5 tabletes
estavam com 195g.
Resultado?
Papai preso por 2 dias até meu tio-avô voltar de Brasília, o
soltar e lhe dar O ESPORRO.
'Mas tio, era preu tirar o dinheiro do caixa e pagar a
propina?'
'Claro que não, era pra tirar do seu! Acha que ser
encarregado de um comércio não tem custos?'
(Isso serve de lição pra vcs que acham que a ditadura só
prende subversivos. Não existia pessoa mais anti-comunista que papai. Sim, eu
sei, me chamem de karma.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário