quinta-feira, 6 de setembro de 2018

RIO DA VIDA




Deixa eu te amar,
ó mar, que as muitas águas
de meu leito, intumescidas pela cheia,
enfurecidas pela lua,
me excruciam.

Deixa eu ter em ti,
ó mar, o meu zênite,
último limite,
– pois o que é o amor
senão o noviciado da morte?

Deixa eu desaguar-me
em ti, ó mar,
sem diques, adendos, subterfúgios,
sem as máscaras que o mundo me atarraxou,
que hoje, rio solto,
desabalado,
desesperado,
sou seu...

Deixa eu te ter,
ó mar, sendo-te,
batizado de ti,
amortalhado em tuas águas azuis,
que eu me perdi,
me excedi
e só então eu compreendi
que sem o mar (que sem amar)
não tem sentido o peregrinar do rio,
o escoar da vida...

Deixa eu te ser,
ó mar, tendo-te,
que a vida é pouca,
a felicidade rara
e o amor não é uma conta de subtrair
mas de somar...

Deixa eu te amar,
ó mar,
pois só em ti, em teu abismo azul
este rio
– cheio de fráguas –
tem o seu sossego,
encontra o seu lugar.

Otto Leopoldo Winck

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