Gosto cada vez mais da minha cara manchada, do meu rosto
maduro, das desconexões nas sobrancelhas, dos pontilhismos todos que criam
essas saturações do eu. Encaro no espelho a prova viva de meu embaraço pulsante
e já não tento dominar o desalinho de fios, pontos negros e brancos,
amarelecimento, pus, marcas de expressão, veias saltando, olhos secos. Tudo
impresso na pele que vem antes da técnica, ainda que fugidia, de dar às
superfícies mortas a memória de uma organicidade, de confluir numa arquitetura
de insólita duração, de se desmembrar entre vital e fantasmática.
Com sua temporalidade, a vida regula meu pensamento. Em sua
hegemonia, a morte me dá tempo. Pareço sorrir a privações e privilégios, pareço
inócua como aquilo que não se esgarça. A fragilidade da voz nos traços, das pontas
finas, dos requintes e ditames da genética, da rouquidão nessa mesma
perpetuação que um dia afunila tudo, movimento de cordame em cada ato que se
presta a dizer, mesmo involuntário. Conforto nas ruínas.
Roberta Tostes Daniel
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