domingo, 2 de setembro de 2018


Gosto cada vez mais da minha cara manchada, do meu rosto maduro, das desconexões nas sobrancelhas, dos pontilhismos todos que criam essas saturações do eu. Encaro no espelho a prova viva de meu embaraço pulsante e já não tento dominar o desalinho de fios, pontos negros e brancos, amarelecimento, pus, marcas de expressão, veias saltando, olhos secos. Tudo impresso na pele que vem antes da técnica, ainda que fugidia, de dar às superfícies mortas a memória de uma organicidade, de confluir numa arquitetura de insólita duração, de se desmembrar entre vital e fantasmática.

Com sua temporalidade, a vida regula meu pensamento. Em sua hegemonia, a morte me dá tempo. Pareço sorrir a privações e privilégios, pareço inócua como aquilo que não se esgarça. A fragilidade da voz nos traços, das pontas finas, dos requintes e ditames da genética, da rouquidão nessa mesma perpetuação que um dia afunila tudo, movimento de cordame em cada ato que se presta a dizer, mesmo involuntário. Conforto nas ruínas.
Roberta Tostes Daniel

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