Pense o leitor neste quadro: era uma vez um país bonito por
natureza, banhado por mares verdes e azuis, onde vivia um povo alegre e
cordial, que jogava futebol, brincava o carnaval e sorria o dia inteiro. Tudo
lá era divertido, sob a trilha sonora de um perpétuo samba exaltação. Pobres,
ricos e remediados eram felizes, a inveja e o olho gordo não prosperavam, e não
se via violência. Pouca gente sabia ler e escrever, o que não fazia falta,
porque a felicidade era cada um vivendo tranquilo no seu cantinho enquanto
sábios letrados tocavam o barco. E o resto do mundo, de tempos em tempos,
pasmava-se com aquele paraíso sorridente, capaz de façanhas incríveis, para
grande orgulho nacional.
Este conto da carochinha é uma das mais resistentes
expressões de um secreto imaginário brasileiro: as pesquisas indicam que somos
um dos povos mais felizes do mundo. Como a felicidade é um valor subjetivo –
quem pode medir minha felicidade senão eu mesmo? –, é preciso acreditar no
otimismo do país. Em qualquer lugar do mundo, dizemos a palavra mágica –
“Brasil!” –, e o interlocutor sorrirá com simpatia.
A questão é que o mundo vem mudando tanto que até o Brasil
largou a preguiça e passou a correr atrás do futuro, porque uma das faces da
nossa felicidade é o gosto novidadeiro. Daí vieram os computadores, os
celulares, a internet, o facebook, o tuíter, o G3, os tablets, o G4, a tevê
digital, o GPS, os selfies, o BBB – e, principalmente, a seção de comentários
das páginas da internet.
Quem jamais escreveu nada nem nunca leu nada começou a
adentrar no mundo maravilhoso das letras. Com mais eficiência do que as escolas
arruinadas que os estudantes vão largando pelo caminho, a internet obriga todos
os dias as pessoas a ler e a escrever, catando milho nos teclados. Súbito, ler
e escrever – essa tortura escolar – passou a ser uma coisa legal, como um
código inventado por crianças. Este mesmo cronista, um clássico otimista
brasileiro, chegou a acreditar que, finalmente, o Brasil largaria a dança da
chuva e começaria a ler em massa, numa explosão civilizatória nunca antes vista
neste país.
Obviamente, há muita vida civilizada na internet, em espaços
de interesse específico; mas nas seções abertas de comentários políticos
descobrimos que todo brasileiro é black bloc; com a cara tapada ou descoberta,
um outro povo emerge das profundezas do horror com sangue nos olhos e porrete
na mão a dar pancadas em tudo que apareça à frente; um rancor sem cabeça nem
letras explode com a volúpia da estupidez diante de qualquer assunto; naquelas
linhas, nenhuma referência de valor sobrevive além do próprio desejo. O país
inteiro, da “presidenta” ao último cidadão, comunica-se em comentários de
internet; e black blocs destruindo ruas são comentários ao vivo, a
contrapartida analógica da fantasia digital.
Cristovão Tezza.
Gazeta do Povo.25/02/2014
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