Aqui, nas Gaivotas, começo a acreditar firmemente no
aquecimento global. De fato, logo as geleiras do Polo Sul vão derreter, as
águas subirão e cobrirão este deserto. Ai de ti, Matinhos! O calor, o silêncio,
a solidão, o suor, a mecânica monótona dos ventiladores praticamente inúteis
mesmo quando paralisamo-nos a um palmo deles, as misteriosas incursões do
lagarto pelo quintal, todo o concerto do tempo e do espaço vai como que nos
achatando a alma.
Largados na cadeira, na rede, na cama, na breve sombra, vamos
chegando, enfim, à substância mortal da preguiça, nossa querida e mal amada
companheira. Chegamos à transcendência do fazer-nada. Todo gesto se derruba
antes de começar. A persistência bruta do calor não nos deixa nem sequer
dormir, ou esquecer o próprio calor, ou pensar em algo que não seja ele mesmo,
o calor e seus vapores. Até as expedições à geladeira – a doce água fria
gorgolejando garganta abaixo, que nunca é suficiente – parecem um calvário. O
alívio do gelo é uma miragem de segundos, e o suor volta a brotar. Ventiladores
fazem girar o ar quente, no gemido constante dos motores incansáveis. Até as
moscas sentem o peso da atmosfera, o clima inexorável, e sabem que não vai
chover tão cedo.
Mas eu preciso trabalhar. Cronista não tem férias. Quem
mandou largar o emprego fixo, a vida segura, o ar condicionado da repartição?
Você não queria ser escritor? Aguente o tranco. Levante esse traseiro gordo da
rede, como dizem os filmes dublados – mas nem isso o faz rir. Abra o notebook,
escreva uma frase qualquer e toque em frente, seguindo o conselho dos
clássicos. Quem sabe dê certo?
Mas resisto. Sair da rede é uma tarefa acima das minhas
forças. Busco uma desculpa para continuar fazendo nada: talvez antes um banho
de mar, contrariando todos os meus princípios? Cada vez que me imagino andando
naquela areia fervente que agarra e queima os meus pés chatos, enquanto o sol,
sádico, arranca lascas da minha pele rala, os olhos espremidos de fotofobia e
lágrimas, a claridade brutal, ou ainda o desconforto grudento dos cremes
supostamente protetores que me transformam num bacon humano – cada vez que vou
ao mar descubro minha identidade secreta de vampiro, o horror à luz do sol que
há de me transformar em pó, a atração irresistível pelo frio e pela noite.
Feliz do lagarto, que tem sua toca escura! Mas a água é saudável – vamos, não
pense, entre lá e mergulhe!, dizem os evangelistas da saúde em torno, os
parentes aflitos pelo meu sofrimento, salve sua alma da preguiça e do calor! –
e me imagino entrando no mar violento, sentindo a onda inóspita que me derruba
e me afoga no caldo em seguida, e ainda me arrasta de cambulhada na areia
grossa, de onde me ergo de joelhos para levar outro balde de água fria na
cabeça, as pernas trêmulas. Dizem que é bom para a saúde.
Não. Melhor escrever logo a crônica. O banho de mar pode
esperar.
Cristovão Tezza
Gazeta do Povo.28/01/2014
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