O primeiro choque para quem sai do Brasil e vem à China são
os aeroportos. Primeiro, os escombros patéticos de Guarulhos, com multidões
trombando em toda parte atrás de algum espaço, informação ou conforto, dando a
impressão de um aeroporto no último limite de sua capacidade operacional –
chegando de Curitiba, esperei 30 minutos, com o avião parado, até que
aparecesse uma escada que nos descesse a um único ônibus, onde coube um terço
dos passageiros; os outros que aguardassem o próximo para chegar ao terminal de
desembarque. Depois, em Paris, o deslumbre impressionante do Charles de Gaulle,
indicando até pelo silêncio dos ambientes que falta muito, mas muito mesmo,
para a Europa se curvar ao Brasil, como sonha nossa história pitoresca. E,
enfim – a viagem mais longa do mundo –, desço na imponência igualmente
humilhante do gigantesco aeroporto de Pequim.
Estou de cabeça para baixo, aqui no outro lado do globo, com
fuso horário transtornado. Enquanto escrevo, são 6 horas da manhã de segunda,
mas aí, desgraçadamente, o Atlético acaba neste minuto de perder do Paraná por
4 a 0. Ainda bem que, para sofrer bem longe minha derrota, estou na China – na
China comunista, mas, exceto pela onipresença de chineses, poderia estar em
qualquer megalópole do mundo. Saindo do aeroporto, um mar de carros de último
tipo avança lento por uma autoestrada de cinco pistas. Está frio lá fora, e um
horizonte de árvores secas margeia a estrada.
Começo a sentir a célebre poluição de Pequim, uma cidade
construída, destruída e reconstruída, em ritmo de terra arrasada, à margem do
Deserto de Gobi. Quando me diziam, achava que era exagero, mas não é – os olhos
vão se marejando neste ar pesado, a garganta seca. Começam a aparecer os
prédios, em profusão – e, exceto pelos caracteres chineses de outdoors, até
aqui nada indica que estamos nem no mítico Oriente, nem no que ainda poderia
ser considerada a grande vitrine comunista do mundo. Às 3 da tarde, pode-se
olhar sem medo diretamente o sol, que ao ritmo do carro vai dando um toque de
cenário pintado àquele impressionante recorte urbano. Sob a densidade cinza da
poluição, o sol é uma gema fuliginosa equilibrando-se amarela sobre um céu em
ruínas.
No hotel, estou num centro de edifícios modernos e grandes
avenidas. Na paisagem ainda escura, carros a distância parecem andar em câmera
lenta. O dia amanhecendo, ainda luto para adaptar a alma ao novo relógio. Entre
o prédio impactante da Televisão Central da China (CCTV), com seus ângulos
inclinados de vidro, e uma enorme torre comercial, cujas faces espelham uma
cidade trêmula, vejo ao longe uma clássica chaminé de fábrica despejando fumaça
aos céus – é o encontro da Londres de Charles Dickens, movida a carvão, com o
admirável mundo novo made in China. O império milenar que reinventou o
comunismo ao redescobrir o capitalismo.
Cristovão Tezza
Gazeta do Povo.11/03/2014
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