Onde eras a mulher deitada, depois
dos ofícios da penumbra, agora
és um poema:
Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.
É à hora carbôni-
ca e o sol em mormaço
entre sonhando e insone.
A legião dos ofendidos demanda
tuas pernas em M,
silenciosa moenda do crepúsculo.
É a hora do rio, o grosso rio que lento flui
flui pelas navalhas das persianas,
rio escuro. Espelhos e ataúdes
em mudo desterro navegam:
Miras-te no esquife e morres no espelho.
Morres. Intermorres.
Inter(ataúde e espelho)morres.
Teu lustre em volutas (polvo
barroco sopesando sete
laranjas podres) e teu leito de chumbo
têm as galas do cortejo:
Tudo passa neste rio, menos o rio.
Minérios, flora e cartilagem
acodem com dois moluscos
murchos e cansados,
para que eu te componha, recompondo:
Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.
(Modelo em repouso. Correm-se as mortalhas das persianas.
Guilhotinas de luz lapidam o teu dorso em rosas: tens um punho decepado e um
seio bebendo na sombra. Inicias o ciclo dos cristais e já cintilas).
Tua al(gema negra)cova assim soletrada em câma-
ra lenta, levantas a fronte e propalas:
“Há uma estátua afogada...” (Em câmara lenta! – disse).
“Existe uma está-
tua afogada e um poeta feliz (ardo
em louros!). Como os lamento e
como os desconheço!
Choremos por ambos.”
Choremos por todos – soluço, e entoandum
litúrgicos impropério a duas vozes
compomos um simbólico epicédio AAquela
que deitada era um poema e o não é mais.
Suspenso o fôlego, inicias o grande ciclo
subterrâneo do retorno
às grandes amizades sem memória
e já apodreces:
Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.
Décio Pignatari
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