Sou daqueles otimistas genéticos, para quem, mesmo à maior
desgraça, o copo está sempre meio cheio, quando todo mundo está careca de saber
que está meio vazio. Questão de temperamento, mais que de razão. Ultimamente,
entretanto, tomado de algum sopro de melancolia da idade madura, ando com uma
perigosa tendência a ver defeito em tudo. Não vou falar de governo, em que
vemos o que queremos, e todos são historicamente mais ou menos a mesma – às
vezes mais, às vezes menos – coisa. Mas dois fatos sociais da realidade
brasileira assustam.
O primeiro deles é a taxa de homicídios. Prefiro não me
referir à violência simplesmente, que lembraria algum gene inexorável da
natureza humana (digamos, “dos outros”). De modo objetivo, fiquemos com a taxa
de homicídios. Do que sabemos com certeza (e sabemos muito pouco no país da
informalidade), os brasileiros estão matando 50 mil pessoas por ano, esses
anotados um a um. Em termos absolutos, é a maior taxa do mundo;
proporcionalmente, chega perto disso, e só perde para Estados muito mais
desestruturados e menos complexos que o nosso, como Venezuela, Burundi e
Honduras, o que torna ridícula, senão mais vergonhosa, qualquer comparação. Nem
de longe países renitentemente afogados no terror ou em guerras civis
político-etno-religiosas matam como aqui.
Por que o brasileiro se tornou um povo homicida? Ou sempre
foi e não sabíamos? As cenas explícitas de tentativa de assassinato na
arquibancada de Joinville se fundem com as cabeças decepadas das prisões do
Maranhão e com a fria estatística dos mortos dos fins de semana da Grande
Curitiba, mais os presuntos desovados em toda parte em berço esplêndido, e
ainda os fuzilados no assalto da esquina, e mais o jogo de polícia e ladrão com
papéis trocados, e daí por diante, numa máquina registradora de cadáveres que
não para de apitar – uma locomotiva macabra.
Não sei. Não há uma só resposta. Mas vai aqui outra fonte de
pessimismo, que talvez seja uma das mil respostas possíveis. O padrão do ensino
médio brasileiro é um desastre monumental, a partir também de números frios,
preto no branco: apenas 28% da população adulta brasileira tem ensino médio
completo (na Alemanha, são 90%, só para o leitor ter alguma referência). Mais:
segundo dados de 2010, apenas a metade dos matriculados no ensino médio conclui
o curso. Mais ainda: só a metade dos jovens de 15 a 17 anos que estão na escola
estão de fato no ensino médio; os outros se arrastam ainda no fundamental. São
milhões de jovens aos quais, todos os anos, o acesso elementar à civilização é
barrado. O que não fazia diferença no velho Brasil rural do cigarro de palha e
da casinha de sapê, de estamentos para sempre imutáveis, no Brasil urbano,
mutante e global de hoje tornou-se uma bomba cultural e social muito difícil de
ser desarmada.
Batendo aqui e ali em surtos eleitoreiros, a ficha está
custando a cair.
Cristovão Tezza
Gazeta do Povo.14/01/2014.|
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