É a vida a escorregar. Já fomos cabeças de petit-pavê.
Pulamos amarelinha no pinhão preto, desviamos o pinheiro branco, desenhamos em
cartolinas na Rua XV. Pés pequenininhos mesmo. Só assim. Mas, crianças, não
conseguimos ver ao longe.
O cimento bruto pode mudar se deixarmos marca, diversão
registrada, mas acaba a brincadeira quando um carro enorme passa por cima de
tudo, mistura o preto, o branco. O que era fresco agora é cinza e logo se torna
imutável Afunda-se o mundo inteiro, de uma vez só.
E de repente surge o som do rádio, ligado no chiado da AM,
jogo de futebol. O repórter da voz inconfundível, amigo imaginário de verdade –
aposto uma figurinha prateada que tem cabelos brancos e é gorducho. Torcer no
quarto, de luzes apagadas, parece tão estranho. Dava certo vez em quando: Régis
defendia, Milton do Ó lançava com classe e Saulo encaçapava. Tortura era ouvir
o anúncio de público e renda, sinal do fim dos tempos para quem está atrás no
placar. Não há o que fazer. Fim de jogo, mais uma derrota.
Então chegam os dias que entram para a história porque fazem
brilhar os destroços de ontem, sempre o melhor dia da vida inteira. Bar cheio,
venturas de sábado, amores possíveis, prelúdios impronunciáveis, amizades
momentaneamente eternas, liberdade. “Já veio aqui?” – descobertas. A conta se
divide automaticamente, porque ninguém esbanja. Chega o aipim com bacon, e a
cabeça está à frente, no quarto, na cama de lençóis limpos. Chega mais uma coca
com gelo e limão e ficou para outro dia, como sempre fica.
Nesse momento de pulsar, em que tudo é possível, exageros
brutais foram contabilizados, ressacas monumentais foram vencidas e havia,
ainda – gasolina da juventude – a ideia de que o fim das coisas e de todos os
processos ou era mentira ou estava a anos-luz de distância. Éramos menos cabeça
e mais fígado. Muito mais fígado.
Neste momento em que você lê esse texto, estou em São Paulo
para um festival de rock. Vão tocar bandas velhas (Travis e Blur) e coisas
novas que fazem a juventude de hoje ser mais fígado que cabeça (Lana Del Rey).
Se bem que...
Se continuar a fazer essa friaca em Curitiba, a estratégia
para quando voltar vai continuar. Talvez seja ela, a estratégia, também o
resumo de uma fase da vida que, puxa vida, está demorando a passar. Assim: mãos
nos bolsos, do frio, que é como a idade – faz encolher os corpos e a esperança.
Me pego no sinal vermelho para pedestres enrolando os dedos
indicadores no algodão do bolso do moletom. Coloco Blur ou Travis, fones nos
ouvidos – é difícil viver em uma cidade sem passarinhos – e ultimamente piso no
cimento molhado, deixando marcas, sem medo e sem se importar em limpar o tênis
mais tarde, como deveria fazer. E como quase todo mundo faz.
Cristiano Castilho
Gazeta do Povo.09/11/2013
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