sábado, 9 de janeiro de 2016

Dramaticidade noturna


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Um poema drástico, dramático, gástrico, teimoso,
Escrevi, e deixei lá, secando no papel...
A noite corrói nossas lembranças...
Noite! Ladra miserável do sono do nosso corpo!
Algoz terrível no sono da nossa alma!
E a minha alma que não cala,
Que inerte, não move uma pedra,
Eu que já morri umas cem vezes e cá estou a contar histórias...
Já morri de amores em campos de amoras,
Já morri de dor em outro ponto, outra hora,
Já perdi o trem, o bem, o além, a eternidade,
Já morei nesse quintal, nessa paragem, nessa cidade,
Mas não canso de voltar...
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E no absurdo ensurdecedor desse silêncio mórbido,
Eu já tremi, temi, sofri, chorei, cai, dancei,
Ao som do farfalhar das folhas secas dos lírios...
Escrevi sobre as Iaras, as Marias e as castanheiras,
Sobre um amor que tanto amei,
Sobre os vícios e sobre as leis,
Sobre a liberdade que não existe no plano da realidade...
A liberdade é a música do imaginário...
Só é liberto, o louco,
O homem que faz do tudo um pouco,
Que grita até ficar rouco,
Que vai voando aonde quiser...
Noite! Fiel escudeira da morte!
Que tira do homem a sorte do sono...
Que o sacode exigindo que um pobre infeliz mortal,
Descubra a si,
E prove o sol e o sal do melancólico existir...
Que lança em rosto a mais profunda das intimidades...
Que faz-nos ver que é cara a liberdade,
E nos ensina que a liberdade é bem mais que sair por aí voando,
Pairando em nuvens de algodão,
Liberdade também é deitar no chão,
E dormir, como dormem os deuses enquanto escrevo,
Sobre a morte, sobre o samba, sobre o frevo.
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Radyr Gonçalves

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