quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

VIRAGEM


Com a cara
e a coragem
meto a língua
na linguagem.
E procuro
neste escuro
a palavra
mais perclara
e a mais rara
e a mais justa
entre os lábios
– os de cima
e os de baixo –
entreabertos
na voragem
(meu tesouro),
dicionário:
antitúmulo
fabuloso.
Pois o fato
é que a língua
esquecida
entre os dentes
e o palato,
entre os lábios
(os da boca)
vira fala,
vira rima,
vira fábula.
E a palavra
escandida
dessa língua
escondida
sobre a página
(qual vagina),
de mero halo
que ela é,
vira falo,
vira talo,
vira álamo
– alameda
de sistemas
e sinais.
Meu poema
– açucena
ou qualquer
outra flor
desfolhada
sob o sol –
é viragem:
coleção
de moedas
e de selos
naturais,
obituário
de reflexos
e momentos
transitórios
– ô pleonasmo! –,
inventário
de pernoites
com orgasmos
e açoites,
relicário
de gemidos
– os mais tímidos,
os mais loucos –
estancados
na memória
como hóstias
no sacrário…
Para sempre?
Eu não sei.
Pelo menos,
com a cara
e a coragem,
meto a língua
na linguagem.
Otto Leopoldo Winck


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