terça-feira, 31 de julho de 2018


Não quero sair do mesmo
Não quero andar esmo
Nem ouvir outra voz
Senão a que ecoa
Tudo que fica no centro
Não quero saber do antro
Mostre o.misantropo
Ele amaremos
Horror é o que está dentro
Nos topos mais violentos
Do que muros
(incompleto)

MK



imenso


imenso

O silêncio
É maior
Do que tudo
Que dizemos

Mergulhos, Inês Santos, Edição João Caetano do Nascimento, 2018

girassóis de prata




Noites escuras
desabrocham jardins de estrelas.

Rosas de prata em tapete negro
exalam perfume de chuva.

Constelações de girassóis
preenchem campos de esperanças.

Girassóis em noites escuras, Alexandra Patrocinio, Penalux, 2018


flerte




desde o primeiro encontro
seu olhar me fisga
a ponto de eu não ter mais
do que o seu ponto de vista

haicaos, Sandra Regina de Souza, editora limiar, 2012

como o jazz




no dia em que o conheci, o menino comprou todos os meus livros. no outro, levou a namorada linda para me apresentar. em outros, um amigo, a quem chamava de irmãozão.

conversa vai, conversa vem, concluí que gostava de meu trabalho, embora nunca tenha emitdo uma opinião objetiva.

ontem, distraidamente , num papo sobre temas diversos e diletantes, ele me disse a coisa mais bela que meu coração poderia escutar : "seu texto é negro como o jazz."

aquilo me deu outra vida, e eu a vivi como um cello de yo yo ma ecoando nas paredes do mundo.

(baú de miudezas, sol e chuva, Cidinha Da Silva, , mazza edições, 2014



psiu!

essa dor da qual falo
não fala
foi calada a fio de espada

negroesia, antologia poética, cuti, mazza edições, 2007


nas noites insossas, faça uma sopa de cenoura e maçã ao açafrão, não sem antes molhar as mãos em uma taça de suco de limão. pegue quatro xícaras de caldo de galinnha com salsinha , meio quilo de cenouras , uma maçã-verde e uma cebola. doure esta com um açafrão em duas colheres (de chá) de óleo de canola. adicione os ingredientes na caçarola e deixe-os cozinhar por um quarto de hora. sove-os depois lentamente até se tornarem uma pasta tenra. leve tudo ao fogo para fervura e tempere com sal e pimenta -do-reino . sirva em pratos escuros, decorados com espirais de iogurte e tiras finas de cenoura.

o livro de zenóbia, maria esther maciel , lamparina, 2014

ENTRE TANTA MATÉRIA BRUTA



Entre tanta matéria bruta, o ato de lembrar
não é mais do que buscar uma imagem
em sonhos vislumbrada – um instante
que perdura, cada vez mais transparência,
mas nunca transparência absoluta;
uma imagem cujo sentido reconstruo
em lapsos de clareza, como se uma ventania
agitasse as cortinas e permitisse que a luz
revelasse o que há dentro do quarto escuro;
mas logo a torrente cessa e tudo repousa
nas vésperas do esquecimento.

 Daniel Francoy



SER POETA




Ser poeta é abrir a janela
e sentir o impacto da vida
como um coice
no peito nu.

Ser poeta
é esquecer as palavras
na ponta da língua
e achá-las depois
no bolso
ou num velho banco
de um jardim de inverno
quando já não tem mais ninguém pra te ouvir
e só te restou
escrever
este poema.

Ser poeta
é não aceitar
que as coisas passem
e tentar reter
alguma imagem delas
(um eflúvio, um efeito, um afeto...)
com palavras
– que passarão, quem sabe,
mais rápido ainda.

Otto Leopoldo Winck

um vaut rien




● sei q não tenho sentido nem lugar ●
● sei plenamente q não tenho sentido nem lugar ●
● em nenhum lugar mas os q me perseguem ●
● os q sempre me perseguiram não sabem ●
● porq me perseguem como sei plenamente ●
● q não tenho sentido nem lugar em lugar algum ●
● porisso tenho vivido imovel e calado demais ●

● sei q me perseguem não por saberem ●
● q não tenho sentido ou lugar em nenhum lugar ●
● sei q perseguem por não saberem nada de si ●
● nem da existencia do poder doente e servo ●
● q usariam pra me desmontar como uma coisa ●
● apenas porq sei quem sou e nisso tou sozinho ●
● mas jamais voltarei e livre aqui devo me matar ●

● por saber quem sou e não ser nada de nada ●
● fico aqui entocado como se tivesse entorpecido ●
● certo q não espero os q perseguem sem saber ●
● nada de si como sei de mim pra q me destruam ●
● porq é coisa extraordinaria quem sabe de si ●
● como sei de mim e do lugar onde deveria viver ●
● porisso sera com uma arma deles não por eles ●

● terrivel é viver como eles q não sabem de si ●
● q vivem numa ditadura q enganam a todos ●
● adoram ser enganados se revirando no engano ●
● porisso me matarei alegre por saber de mim ●
● por saber deles e dos q se enganam por medo ●
● tão todos dentro de casa como ratos famintos ●
● sobem a escada entram e aperto o gatilho ●

*ALC


o incêndio do sol
no céu

e na cama
depois do incêndio dos corpos
uma marca da chama:

teu mênstruo
na fronha branca

Otto Leopoldo Winck

a queda




● a violenta manada ruiva de cavalos ruivos ●
● depois de pastar apenas flores ruivas e amarelas ●
● atravessados pelo tedio mortal das tardes violetas ●
● reunidos sobre a sombra desocupada duma arvore ●
● plantaram os cascos na grama como parasitas novos ●
● todos alegres mas de olhos fechados todos pensando ●
● uns em desertos outros em mares com tempestades ●

● o certo é q de repente zarparam como se dançassem ●
● num ritmo ridiculo mas tambem suave e harmonico ●
● todos rindo despreocupados em mares e desertos ●
● sim isso é certo poderia um deles ter pensado logo ●
● antes do penhasco q se aproximava mas sonhavam ●
● em antigos relinchos da infancia e se precipitaram ●
● o certo é q falaram durante a queda e muito riram ●

● a questão surgida pelo mais ruivo dos cavalos era ●
● sobre a possibilidade da mortalidade dos cavalos ●
● dai a risada impulsiva e ruiva dos cavalos ruivos ●
● a velha morte sim como a morte de tudo q respira ●
● disse o mais ruivo dos cavalos ruivos sim e cairam ●
● depois da queda sim se ergueram e sairam alegres ●
● eles sabiam sim q os cavalos ruivos são imortais ●

● porissso cantavam corvos assados com batatas ●
● quase verdes com raizes insetos e desertos ●
● crocantes como cigarras tanajuras e mares ●
● na manteiga crua quase leite recem batido ●
● sem tirar nem visceras nem asas de corvos ●
● postos em gordura de porco ate tostar e chorar ●
● gotas brilhantes de vida e morte e todos riam ●
● na dura pradaria de flores ruivas e amarelas ●

*ALC

OFERTA




Como a voz de muitas águas
você me acordou dentro da noite
e eu era como um velho navio naufragado.

O canto dos peregrinos
me chegava aos ouvidos
como uma recordação maldita.
E de repente eu desejei
que não houvesse sol – e nos tons sanguíneos
que antecedem o dia
tudo se revolvesse
e resolvesse.

(Tenho andado tanto
e cantado pouco – eu pensei.)

Por isso aqui estou
à tua porta
e trago como ex-voto
os veios que as bátegas da chuva
no meu rosto abriram
– e as minhas mãos cansadas
e vazias.

Otto Leopoldo Winck


e se daí pingasses no meu olho

o ruído coberto em madrugada

eu só veria nada com mais nada

e te daria a mão como engodo.

e se eu te desse parte do meu corpo

ou te entregasse o meu corpo todo?

e se o amor que em mim já não coubesse

amasse a podridão que vem do lodo?

e se eu soubesse o copo que te cabe

e te deixasse a minha voz calada?

por tudo que eu não sei e ninguém sabe

eu só veria nada com mais nada.

*

romério rômulo

THEOAGONIA




Agoniza no horizonte:
seus gritos não se ouvem,
só se sentem.
De todos os povos, tribos e raças
já chegam enormes coroas votivas.
Não se oficiará exéquia alguma
nem haverá orações em seu funeral:
a hora é de expectativa e receio.
Não haverá outro dia igual a este.
Aliás, não haverá mais dia algum.
Só a noite. E seu silêncio
quebrado por nossos esgares.
E a saudade do que nunca conhecemos.

Otto Leopoldo Winck

je serai la?



● meu pai olha a parede ●
● nela corre um velho rio ●
● cheio de crianças nuas ●
● indo na agua como sapos ●
● na chuva depois do verão ●
● meu pai diz era isso assim ●
● a parede volta a ser branca ●

● meu pai de olhos turvos ●
● recria nos dedos o ritmo ●
● da ultima sinfonia e quase ri ●
● mas ele não sabe mais o coro ●
● sabe das touradas do sangue ●
● num segundo nem o sangue ●
● os dedos param numa nota fria ●

● meu pai dorme e não sei ●
● o q sonha meu pai dormindo ●
● na verdade so me pergunto ●
● se meu pai sonha se meu pai ●
● dorme na poltrona dessa sala ●
● agora imovel com certeza pula ●
● com os sapos depois do verão ●

● meu pai de repente ele diz ●
● quanta infelicidade no final ●
● corvos voando entre telhados ●
● quanta neve nos redemoinhos ●
● meu pai dorme bem agitado ●
● ?quem sabe se ele agora é ●
● todos nos no fim sem saber ●

● meu pai acorda e se senta ●
● olha pra mim e diz se mate ●
● antes q a vida cause essa dor ●
● faça isso por vc e volta ao sono ●
● ele pelo menos sabe q chegou ●
● a hora a minha hora q ele deixou ●
● passar como todos os outros ●

● meu pai logo logo dormira ●
● sem sinfonia como todos nos ●
● nem palavras como eu ou ele ●
● resta o rio sobre essa ponte ●
● de madeira suja e ferro gasto ●
● ao redor a cidade se estraga ●
● é preciso não acordar mais ●

*
Alberto Lins Caldas

Ismálio



eu hoje vi a lua
no céu, no mar, na rua
louca, linda, nua

eu disse pra ela:
calma, garota
não é agora
pra tudo tem a sua hora

Otto Leopoldo Winck



todo sábado amanheço
com o coração duro e fundo
dos amores que padeço.

meu coração é o mundo."
RR

vida e morte



● viver sempre sim ●
● isso te entrego ●
● morrer é pesado ●
● tambem te dou ●
● o sol hiroxima ●
● a lua em aleppo ●
● como sonho frio ●

● isso te entrego ●
● a vida e a morte ●
● terriveis os dois ●
● são teus presentes ●
● como dia e noite ●
● se dissipam sim ●
● em todos nos ●

● assim toda essencia ●
● poder ser sem ser ●
● moinhos do passar ●
● aqui bem aqui ●
● no centro q vende ●
● gozo e finitude ●
● a plena violencia ●

● a neve q gira ●
● nas ruas travosas ●
● nesse cafe sim ●
● corvos e pombos ●
● moiras do desejo ●
● brasas e cinzas ●
● jamais a beleza ●

*ALC


Estou num pequeno templo da alta burguesia curitibana. Tomo um café expresso. Leio um ensaio sobre Baudelaire. A alguns metros, um casal muito antigo – ela, de casaco vermelho, cabelo armado tingido de loiro, deve ter pelo menos 80 anos – cantam New York. Ele toca uma guitarra modernosa, dessas que tem só o contorno. Ela canta. Até que bem. “O tempo não se deixa perceber somente através de ruínas e monumentos, mas também por sua ação corrosiva que ataca tudo, até o novo” – leio. Atrás de mim há uma festa de criança. Gritos, uivos, choro, pais em polvorosa. Mais à frente, uma jovem amamenta. Seu rosto transpira frescor e otimismo. A tarde do sábado avança e de repente, quando me dou conta, é noite – vejo através do teto envidraçado. Não sei se peço mais um café (é caro, daí minha hesitação), se volto para casa, se leio mais um pouco. Agora a dupla – seria um casal? – tocam Yesterday, a música mais executada de todos os tempos. Em Baudelaire se mesclavam amor e ódio à modernidade que então nascia. Repulsa e fascínio. As coisas nunca são claras. A gente sempre ama aquilo que odeia. A gente sempre odeia aquilo que ama. Vindo para cá topei com um rapaz escarafunchando sacos de lixo – no bairro mais rico de Curitiba. Fiquei constrangido ao passar por ele. Constrangido por ele? Por mim? Talvez por ver que ele via que eu o via nesta situação degradante. Mas ele nem ligou. Quem tem fome não se importa com aparências. Um estômago vazio não quer saber de etiquetas. Temi (sim, temi, vejam como somos egoístas) que ele me pedisse um trocado e imediatamente me lembrei que não trazia moeda alguma comigo. No entanto, mais adiante gastei oitenta reais com dois livros. A anciã canta agora outro clássico kitsch. A modernidade é isto, Baudelaire, um pastiche de si mesma. As crianças correm, perturbam, como é natural das crianças. O nenê parou de mamar. As pessoas conversam, sorriem. Sim, aqui nesta ilha estão protegidas dos noias, da violência policial, da guerra de gangues... Se queixam da crise mas não conhecem a crise. Talvez tenham um sobrinho morto num acidente de automóvel ou até um conhecido assassinado num assalto. Mas nunca saberão o que é ter um filho executado pela polícia. Vou me levantar e me dirigir até o ponto na Praça Osório, a um quilômetro daqui. Sei que lá fora está frio e eu não vim agasalhado. Não estou na Paris do século XIX mas na Curitiba do século XXI. Mas sou, como todos, um homem na multidão. Anônimo. Só. Infeliz. E só tenho esta certeza: nunca serei Baudelaire.

Otto Leopoldo Winck

[Outro texto de três anos atrás.]

le treizieme au noir




● não explorei o labirinto ●
● não resvalei no musgo dos corredores ●
● não parei um minuto pra ouvir o vento ●
● passando como numa praia destroçada ●
● esse vento não é salgado não é melado ●
● é travoso odor de sangue azedo e velho ●
● nem senti como suava o silencio pesado ●

● apenas vim andando ate vc nada mais ●
● sem pensar sem perder sem duvidar não ●
● apenas andei como se tivesse em casa ●
● na sala nos quartos na cozinha enfim ●
● ate haver apenas nos dois bem aqui ●
● trago me abatido puro esquecimento ●
● sei o q devo dizer fazer mas é inutil ●

● vc ta morto ha muito muito tempo ●
● eu exausto da vida sei so as dores ●
● com certeza devo tentar logo voltar ●
● como se valesse a pena e as agonias ●
● como se houvesse casa mulher e cães ●
● qualquer coisa q me fizesse ambicionar ●
● acho q ficaremos mortos nos dois aqui ●

● pelo menos não tentaremos conversar ●
● isso impossivel entre ossos carne e lingua ●
● nem apertar as mãos ou recordar as mortes ●
● sim sera silencio contra silencio e derrotas ●
● chegara a hora onde nem po nem cinzas ●
● seremos apenas o indizivel não o tempo ●
● ridiculo porq nada mais podemos fazer ●

*
ALC


o mundo funciona.

acordo.
o mundo funciona.
durmo:
me noticiam após
q o mundo funciona.

as engrenagens estão tortas
desvalidas
mas tudo me aponta
q o mundo funciona;

o meu olho
só assiste."
RR


A vida não tem sentido.
Tem sentidos.
Infelizmente, provisórios.
Talvez o único sentido além dos sentidos provisórios seja a busca de um sentido último por trás dos sentidos -- que no entanto nunca será alcançado.
Mas o que vale é a busca - cega, surda, absurda.
Tornar-se adulto é encarar isso de frente, sem viseiras, sem ilusões.
A vida não tem sentido. Tem sentidos. Todos provisórios.
O que vale é a busca.
Mais vinho, taberneiro.

Otto Leopoldo Winck

nem aqui nem em novgorod




● cheio de xanha e tumor ●
● sempre naquela banheira ensebada ●
● aquela lama gelada q diziam morna ●
● amargo o cheio de xanha e tumor ●
● porisso minha faca foi tão fundo ●
● chega rodei dentro como torno ●
● o sangue parecia banha de porco ●

● imprestavel q não valia uma galinha ●
● choca nas feiras de novgorod ou aqui ●
● uma facada foi pouco e rodar dentro ●
● foi gozoso foi ate gostoso na banha ●
● de porco na lama inutil da banheira ●
● xanha e tumor e diziam q era deus ●
● nem duvidei rodei duas vezes ●

● quem sabe entendessem e rodassem ●
● comigo aquela faca afiada pra porco ●
● q me olhou e disse apenas calmamente ●
● é so mais um deus sacrificado e a dor ●
● gargralhei e me levaram como louca ●
● mas sei perfeitamente o q fiz e faria ●
● logologo todos eles saberão tudotudo ●

● eu q sempre fui nadadada fui e serei ●
● a q furou o porco e rodou na gordura ●
● q não valia galinha choca nem aqui ●
● nem em novgorod nem nessa merda ●
● porisso mostre essa cabeça carrasco ●
● as mulheres precisam saber o q fazer ●
● com os porcos q não valem galinhas ●

*
ALC

as meninas




para Thalita Portela e Juliana Giese

faziam uma arma
com a mão
e apontavam para a têmpora
(mas sem disparar)

enquanto riam
as mãos descuidavam
as bocas tocavam
(mas sem disparar)

os dedos em forma
mas sem disparar"

Anelise Freitas


quando o poeta não faz mais sentido

e quando a tua mão me derrotasse

e quando o teu amor me percorresse

e quando a tua carne me encontrasse

e quando a tua faca me rompesse.

se acaso a tua raiva me matasse

se acaso a tua dor em mim doesse

e eu, vão, na tua pele então ficasse

e um tiro de paixão me derretesse.

se acaso a tua boca me furasse

o grosso do meu olho e me esquecesse.


Romério Rômulo


eu sei que a terra é plana
a áfrica nasceu falando português
francês, inglês
os macacos não são uma face de deus
nem deus é a face de si.

no mais
eu caibo numa fundação qualquer
de endinheirados grotescos."
RR

Meu tempo humano




Atravessei os desertos dos olhos
E juntei os pedaços do universo
Colecionei despedidas e palavras
Colecionei as verdades da lágrima
Em minha soberba encabrestei o sol
Durante milênios estive cercado de solidões
E interpretei corpos iletrados com a
Inteligência da dança.

Eu sim, virei o disco riscado
Do ego
Em tempos de "mp3".

Anacronias são poucos tacapes
Da beleza da guerra
Que não há no sangue

Gostaria de me sepultar o desejo
Na letra

Voaria por sobre o capim mascado
Que perfumou os espíritos

Da humanidade da bomba,
Da espada, do palavrão

Do tapa.

Veriam os olhos a cor
Pois não veem a si no
Espelho das águas da vida

Reverberara luta como se
Obrigação o punho sobre a mesa
Num escritório da destruição
Em massa

A tudo que chamou

Perfeição.
ACM

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Pétalas devolutas à solidão agnóstica



Não demora aflora
E cora como quem se demora
A inexistir

Não significo o que explico
Por naufragar no porvir
- Sol -

Suas mãos trabalham luas
Em farelos de estrelas

Conjugo uma clave no lapso
Da breve canção

Almejo eternidade e não
Detenho-me em sais

Egos retorcidos e empedrados
Figuram graça apenas na dor

E de amor se esvaem

Em relatos e narrativas e
Encliclopédias

Falo da flor que brota
Não do livro, nem da capa

Da nata, a do leite
De deleite em deleite pelas manhãs

Em olhos que se pregam
E fluem por universos míticos

E entabulam ciências

E continuam a falar e falar
E falar
E jorrar os mesmos chavões

Sobre o ser.

Independo do mar

Sou autor das pautas
E laudas da oportunidade

Aniquilo olhos sobre o papel
Em nuances de viagens literárias
Por horizontes das mesmas solidões

Tão esperadas.

ACM

Delfos do Sul.




Empedernido prurido, carniça
Tão

Pretérito com telefone que
Não

Toca e ninguém joga
Na poça que se desfaz
Sobre o rosto

Uma luz dilacera o coração

E somas de estilos e estéticas

E luzes e luzes e sons

Noites adentro me enfio
Nas costuras dos sonhos

Pensando em não transcender
Não transbordar o tal copo local

Com local nos classificados

A inteligência se me escapa pelas
Frestas

Entrevem luares de coisas

A mesma onça cutucada
A mesma fera protegendo

Sua ninhada de vácuos

Seus calafrios, seus livros
De Dostoiéviski

E eu, um pronome ingrato
Um pronome

Impessoal.
ACM


Os Degraus

A coleção de noites
A coleção de máscaras das noites
A coleção de cores dos sóis

A coleção de movimentos estelares
A coleção de olhares de amor
(De uma plateia)

A coleção dos mais belos vocábulos
A coleção de vácuos

A coleção de minutos

Até ver teus olhos
Pelas costas

Leitor.



ACM

quinta-feira, 12 de julho de 2018


Como quem cata feijão
cato velhos poemas
para um livro novo
que já nasce velho
-- como todo livro.

O máximo que posso fazer
é mudar a ordem,
trocar palavras,
renomear poemas -- o nome
é o nosso maior problema.

Como quem recolhe os cacos
da louça que se quebrou,
recolho esses pedaços
da vida que se foi
-- com os quais tento urdir um todo.

O livro pode até alcançar uma ordem,
parecer mosaico, vitral, quebra-cabeça.
A vida, não. A vida
é o nosso maior problema.

Otto Leopoldo Winck



Se queres ser feliz,
não queiras ser feliz.
Desejar é sofrer,
porque o desejado
será sempre menor
que o nosso desejo.
(Nada há neste mundo,
nem em outro, se houver,
que possa nos preencher...)
Se queres ser feliz,
não queiras nada então:
nem tesouros nem louros:
as traças comem uns,
os ladrões roubam outros.
Que o teu desejo apenas
-- o único permitido --
seja o de que os desejos
não tomem posse nunca
da morada vazia
desse teu coração.
Aí quem sabe um dia
a tal felicidade
apareça em tua casa
como aquelas visitas
que nós nunca esperamos.
Se queres ser feliz,
não queiras ser feliz...
Ser feliz é destino,
não é nunca vontade.

Otto Leopoldo Winck



-- Infelizmente eu sou fraca demais pra fazer algo que dê fim a esta merda toda...
-- Olha, eu sei que a vida é difícil e às vezes dá vontade de pedir a conta. Mas segura as pontas. Ainda têm coisas interessantes nesta vida.
-- O quê, por exemplo?
Ele pensou por um instante, e respondeu com aquele sorriso de que ela tanto gostava:
-- Eu, por exemplo.
-- Ora, vá te catar!

Otto Leopoldo Winck


Trazes entre as omoplatas
um oceano de antúrios: a vida é doce é bela
como um lábio mordido
e o gosto de sangue e lágrimas misturados.
Trazes entre as coxas
um campo de tulipas e nos antebraços
galés naufragadas.
A história é tão antiga
quanto a chuva nos telhados.
Por isso eu sei que trazes nas panturrilhas
terras ignotas e no ventre uma ilha onde os pinheiros se elevam
como votos.
A vida é doce e bela
como uma velha história
mal contada.

Otto Leopoldo Winck



A vida podia ser um livro
com sumário.
Aí a gente podia pular as partes chatas, tristes
ou tragicômicas
-- como aquela vez em que me espatifei no chão
diante da menina que eu gostava,
ou aquela outra em que me descobri
menor do que eu me imaginava.
A vida podia ser um livro
com notas de rodapé
-- aí quem sabe eu ia entender
porque tu me traíste
ou porque tantas vezes,
vergonhosamente,
eu me traí.
Mas não, a vida é um livro
que deve ser lido por inteiro,
de cabo a rabo,
sem auxílios, sem atalhos,
nem consulta a dicionários,
torcendo para que ao final
o fim não seja tão vil
quanto morrer abandonado
num leito de hospital.

Otto Leopoldo Winck


-- Inventa aí um verso. Um verso bem louco.
-- Teu nome é uma cicatriz na minha espessura.
-- Há-há, legal. Outro.
-- Está pensando que eu sou uma máquina de poesia?
-- Você não é poeta?
-- Mas não uma máquina.
-- Deixa de frescura. Inventa aí.
-- O sol escorregou pela encosta e a noite aflorou nos bordas dos meus olhos.
-- Puxa, que lindo! Agora já sei que você é poeta. Mas será prosador também?
-- Com certeza. De minha lavra às vezes rola um verso, às vezes rola um conto.
-- Então, diz aí o início de um conto.
-- Só se for um continho, um conto pequeno, porque minha paciência está acabando.
-- Tá bom. Pode ser.
-- Inventa aí um verso. Um verso bem louco.

Otto Leopoldo Winck


Tenho medo de acordar de um sonho e descobrir que estou em outro. E em outro, e em outro... No último sonho encontro você. Dormindo. Mas não é só isso. Descubro que estou no seu sonho. Que eu sou o sonho que você sonha. E que se você acordar deixarei de existir. Começo a suar frio, choro, rezo... Não acorde, meu amor, não acorde nunca. Uma lágrima minha rola no seu rosto. Você abre um olho -- e eu sinto que começo a desaparecer. Grito, desesperado. Você se assusta e acorda. Pronto. Acabou o último sonho que me sustentava. Agora sou só uma sombra de ideia, o eco de um eco, sem corpo, sem forma, sem nada, vagando nas solidões dos espaços vazios. Ser poeta é isto: ter consciência da irrealidade de todas as coisas. E mesmo assim amá-las. Amá-las desesperadamente. Como amei você.

Otto Leopoldo Winck


POIS É




Sou poeta nas horas (in)vagas
nas noites de procela
nos dias de tormenta
sapatos molhados e bolsos vazios.

Mais poeta que escritor
ou melhor: dançarino
malabarista
oceanografista

que o mar não está para peixe

só sendo taturana
estrela do mar
estrela cadente
pra dar um jeito
no que não tem jeito.

A beleza
é ver de dentro
o olho da gente: furacão, páginas rasgadas, vidas vertidas.

Otto Leopoldo Winck


terça-feira, 3 de julho de 2018

The Germans - Bismarck and the German Empire | DW Documentary

Father Sergius (1918) movie

Djanho, o Diabo de Curitiba




Dentro dos túneis secretos
Há tesouros raros e discretos,
Que são guardados por uma criatura
Com alma braba, obscura e dura!

O nome dele é Djanho,
Um ser muito estranho!
Nas noites de Lua cheia
Sua alma se incendia

E ele vira um homem de terno
Com jeito falso e fraterno
No Largo da Ordem cheio de bares
Ele sai dos túneis e respira outro ares

Seduz mulheres para depois faze-las chorar
De saudades, sob a luz do Luar !
O Djanho é amigo do famoso vampiro
E da Polaquinha com seu doce suspiro!

O Djanho bebe da fonte proibida
Do Cavalo Babão perto da praça
Ele deixa a fada perdida
E, totalmente, sem graça!

O Djanho faz o jacaré do Parque Barigui
Devorar cachorros abandonados e carentes
Como se ele mesmo não estivesse ali
No meio das pessoas inocentes !

Não tenha medo do Djanho, pois a luz sempre vence
Ele mora nos subterrâneos da capital paranaense.
Luciana do Rocio Mallon



Rejane Marques    
        
O extermínio das maravilhas propagadas pelos versos, retratos e canções de amor causou choque e inconformismo quando foi divulgado à sociedade. Não se podia mais negar as traições, nem florear o desejo sexual. Não seriam toleradas as lágrimas em busca de perdão; nem as juras de amor eterno feitas antes e durante o coito. Que fossem todos apenas sentidos, sem mentiras!

Sexo não é amor – determinou-se. Sexo é instinto – justificavam. Quem quisesse sexo, a partir de então, deveria ser sincero e aberto à justa negação. Não, era não; sim era aproveite. E quem não estivesse de acordo com as novas regras, que desembolsassem suas espécies para comprar o direito ao gozo.
...
                O avesso do espelho: O Extermínio
redutonegativo.blogspot.com


A Neve de Curitiba de 2013




Neste ano, no dia 23 de julho
Surgiu um fenômeno da natureza,
Que encheu Curitiba de orgulho
Por causa de sua beleza!

Depois de longos 38 anos,
A neve voltou a cair,
Sem fazer muitos planos
Com segredos de um elixir!

Ela apareceu em 1975,
Com força, vontade e energia
Eu era bebê, não minto
Mas, em 2013 ela voltou com nostalgia

Ela retornou tímida, pois é curitibana
Por isto, ela não falou com desconhecidos
A neve cobriu casa, prédio e cabana
Mas, deixou agricultores enfurecidos

Pois, atrás da sua beleza
De princesa cheia de pureza
Veio a bruxa da geada escura
Tão má, dura e obscura

Pois nunca deixa ninguém feliz
Queimando a planta pela raiz!
Neste ano de 2013, teve neve
De um jeito acanhado e breve

Mas, que de alguma maneira
Trouxe a geada escura traiçoeira !
Desavisados dizem que esta neve foi uma ilusão de eterno inverno
Mas, a geada negra provou que isto foi real e nada terno.
Luciana do Rocio Mallon



Conclusão.



Não foi uma noite de sonho.
Coloquei minha vida na balança,
Andei a procura de um amor,
Por vinte anos só agora descobri,
Que tudo foi em vão,
Comecei acreditar que ele não existe,
É uma ilusão,
Que aparece por um momento e some,
Tão rápido que não chega ate o coração,
Euforia passageira uma bobeira,
Que te deixa em estado de graça,
Mas na realidade tudo não passa de uma desgraça,
Sou uma mulher como todas tenho meus desejos,
A carne sente,
Estou no meu limite,
Mas o amor não veio,
Era isso que eu queria,
Sinto a dor mal sofrida da saudade,
Que punge e do amor que lacera,
Sinto em torno de mim a muda tristeza,
Nem o intenso fervor nem a intensa lembrança,
Divaguei de alma em alma em busca deste amor,
Sentir e ver o amor através de uma alma,
A beleza eras tu,
Tinhas a alma e o amor.
Neuza Rodrigues Ferreira.


Lenda do Bairro Barigüi



Há muitos anos atrás, quando Curitiba ainda se chamava Vila Nossa Senhora da Luz, existia um rio, onde hoje é a região do bairro Barigüi. Estas águas eram tão puras e cristalinas que as estrelas se espelhavam nelas nas noites de luar. Mas, neste rio, também moravam muitos animais, dentre eles havia um lindo jacaré. Assim uma das estrelas, do alto do firmamento, apaixonou-se por este animal e ele por esta mesma estrela. Nas noites de luar, um não parava de olhar para o outro. Então, uma vez, a estrela exclamou para o universo:
- Como eu gostaria de ser um mosquito-pólvora só para ficar ao lado do jacaré!
Deste jeito, Tupã, o deus dos índios, zangou-se e ralhou:
- Você é uma estrela ingrata, pois não valoriza a sua luz própria e nem a sua posição de destaque, que é o alto do céu !
- Mesmo assim, vou transforma-la num mosquito insignificante e mandá-la para a Terra só para que aprenda uma lição.
Desta maneira, a estrela virou um mosquito-pólvora e foi parar bem perto daquele rio. Deste jeito, ela disse ao jacaré:
- Meu amado, se lembra de mim ?
- Sou a estrela brilhante que era apaixonada por você!
O bicho brigou:
- Você não é estrela coisa nenhuma!
- Pois, não passa de um mosquito-pólvora, um ser insignificante!
Então, a ex-estrela explicou:
- Eu, realmente, era sua estrela amada. Porém, Tupã ouviu o meu pedido de morar aqui na Terra e transformou-me neste inseto.
O animal falou:
- A minha estrela era brilhante,cintilante e altiva, bem diferente de você que é um inseto insignificante.
- Por isto, sairei deste rio e só voltarei quando você puder provar que um dia foi uma estrela.
Assim, o bicho procurou outro rio e o mosquito-pólvora permaneceu no mesmo lugar atraindo outros insetos semelhantes para não se sentir sozinho. Por isto, com o passar dos anos, a região daquele rio ficou cheia daquele tipo de mosquito.
Então, os índios quando chegaram a este local, batizaram o lugar com o nome de Barigüi, que significa, em tupi, " mosquito-pólvora."
Anos se passaram e na região onde o jacaré se escondeu, ele viu duas índias contando lendas na floresta. Logo, uma delas falou sobre o causo de uma estrela que virou mosquito-pólvora, pois estava apaixonada por um jacaré. Ao ouvir esta história, o bicho resolveu voltar para a região do Barigui. Mas quando chegou ao local, descobriu que o mosquito-pólvora, que na realidade era sua amada estrela, tinha morrido.
Reza a lenda que ele é ancestral do famoso jacaré do Parque Barigüi.
Luciana do Rocio Mallon

Doce Caminhar






Sempre caminhei com algo fatídico apertando meu peito

Sentia forte em certos momentos este incomensurável vazio

Era como se algo muito grande me faltasse a tempos

Comovia-me no silêncio da impressão de um chegar tardio



Permaneci distante como que nos olhos um esperar profundo

Maneira pela qual fui capaz de meticuloso instigar meus sentidos

Distingui razões de pensar na vida como uma estrada sem rumo

Fixando como seguro a marca exata de início certo e final previsto



Nesta vereda conheci muitas pessoas e dividi muitos sorrisos

Chorei algumas lágrimas para despertar meu corpo caído

E entendi que o que mais procuramos está em ser e não em ter



Persuasão íntima de minha certeza de que não importa por onde quer que eu ande

Que todos meus caminhos percorridos incansavelmente em busca da felicidade

Levam-me consciente e sem receios ao doce encontro de Você.


 Jorge Jacinto da Silva Junior


segunda-feira, 2 de julho de 2018


TRANSLUCIDEZ





Lúcido como o fio de uma navalha
atravesso a rua
no instante
exato.
A vida em volta me atordoa.
Esta correria, este zumbido, este medo – é isto
a vida?
Lúcido,
me perco,
reparto-me em calçadas, andares, repartições, sobrelojas,
me esqueço,
deixo de ser-me: sou todos,
nada.
Lúcido – como suportar?
A vida em volta me atordoa,
me machuca, me mastiga, me consome.
De noite na cama,
pergunto: quem sou eu? qual meu nome?
No entanto aqui na rua é inútil a rima, é inútil a dúvida.
Olha, o sinal logo abre.
Meu Deus, tanta zoeira, poeira nos olhos, amargo na boca,
meu Deus, tanto nojo! É isto, a vida? Como suportar?
Lúcido como o fio de uma navalha
atravesso a rua
no instante
exato
em que
um reflexo de sol me cega os olhos.

Otto Leopoldo Winck

A ÚLTIMA MUSA



Não creio em musas
mas que elas existem,
elas existem...

A última delas, por exemplo,
encarnou-se um belo dia
numa sala de aula
úmida e fria.

Fatigado de mais-valia
e de falar para as paredes,
de repente eu percebo, no fundo da sala,
em meio a rostos igualmente fatigados,
e sonolentos,
dois olhinhos vívidos
que acompanham, atentos,
cada palavra que eu digo...

(Ah, quem me dera
eu tivesse asas
ou uma asa-delta...

Eu raptava ela
e ia viver
- de brisa e poesia -
no Nordeste
ou em Pasárgada.)

Otto Leopoldo Winck


Entre o verme que me espera nas entranhas da terra
e a estrela que me espreita das alturas,
minha vida se desenrola, ora baça, ora plena.
Só sei que é na sarjeta que a lua é mais bonita
e é na noite que os seus olhos brilham mais.

Otto Leopoldo Winck


por obscuros territórios
pervaga
o meu coração vadio

cão sem dono
saci pererê
poeta andarilho

de rua em rua
uivando pra lua
buscando você

Otto Leopoldo Winck


Então ele saiu de casa rumo ao Bosque, um livro de capa vermelha num braço, uma corda ordinária comprada dia desses no bolso do casaco. Sentou-se à beira do rio -- um riozinho mequetrefe, mais esgoto que rio -- e leu alguns dos poemas do livro. Sorriu algumas vezes, talvez diante do efeito de um verso ou outro. Depois -- o sol estava caindo e logo o Bosque seria fechado --, ele saiu andando pelas alamedas sombrias do Bosque. Não foi fácil encontrar uma árvore apropriada.
No dia seguinte, um guarda municipal achou o corpo dele dependurado do galho de um plátano. Embaixo, jazia um exemplar das Flores do mal, aberto de borco. No seu bolso acharam um bilhete, apenas com uma frase de Homero: "Entre todas as criaturas que se arrastam e respiram so­bre a Terra, não há nenhuma outra mais infeliz que a criatura humana." Logo que sua morte foi anunciada nas redes sociais, começou a chover frases de condolências e consternação no seu perfil do Facebook. Perdemos uma grande promessa da poesia. Uma pessoa de rara sensibilidade. Uma mago das palavras. No entanto, no seu enterro, e mais ainda no seu velório, compareceu muito pouca gente. Com efeito, de todas as criaturas que se arrastam e respiram so­bre a Terra, não há nenhuma mais infeliz que o poeta.

Otto Leopoldo Winck

MARINHEIRO NÁUFRAGO




Marinheiro náufrago,
teu corpo está todo
coberto de ostras,
mariscos, corais.
Teu hálito é sal,
na dor mais aguda
da noite oceânica
por ti refinado
à sós, em segredo.
Escuro é teu dorso,
teu ventre também,
como o mar obscuro
em noite sem lua,
sem sombra de estrela.
Teus braços, imóveis
ao longo do corpo,
não pedem socorro
nem podem pedir.
Tua boca estacou
– tentaste um grito? –
abalroada de algas,
calada de frio.
Teus pés são tentáculos
que tentam em vão
agarrar-se à areia
– inútil tarefa
de rarefeita âncora.
Só teus olhos brilham,
marinheiro náufrago,
brilham, brilham, brilham,
abertos na treva
mais densa da noite
como duas lâmpadas,
duas grandes pérolas
sobre um velo negro.
Por isso eu desejo:
dorme, dorme, meu
pobre marinheiro.

Otto Leopoldo Winck


– Sabe, tem horas, como agora – disse ele –, que eu queria abdicar de tudo, deixar de lutar contra Tânatos, deixar de resistir à corrente que me leva ao nada...
– E pra quê? – ela perguntou.
– Sei lá, só pra descansar dessa agitação feroz e sem finalidade que muitas vezes é a vida. O ser tem saudade do não-ser.
– Mas o ser também quer se realizar sendo, existindo, desenrolando-se. E quem o move é o Eros, o princípio da vida. É ele quem escreve a nossa história. Então vem cá, me dá um beijo.
– Não, hoje eu quero só colo.

Otto Leopoldo Winck

INCOMPLETUDE




Volvo
à vulva
qual boca
sedenta
à uva.
Bebo
da vulva
qual beduíno
ao sol
do deserto
no encalço
de águas
ocultas
ou chuva.
Beijo
a vulva
com ósculo
devoto
e devolvo
ao fruto
a sede,
a gula,
o êxtase
incerto.

Otto Leopoldo Winck


Pobre ego!


Pobre ego! Você não sabe que é uma ilusão, um mero centro fictício dividido entre tantos e tão contraditórios apelos... De um lado, o Id te convoca a permanecer na cama, curtindo uma preguiça, e só fazer o que te é agradável. De outro, o superego, como um feitor de chicote em punho, te chamando de vagabundo, gritando para você se levantar logo desta cama e cumprir com tuas obrigações... Não é fácil se equilibrar entre esses dois e irreconciliáveis carrascos, entre Eros e Tânatos, entre o Princípio do Prazer e o Princípio da Realidade, entre o dever lá fora e a cama quente aqui dentro... Não é a toa que às vezes bate aquele cansaço e pinta então aquela nostalgia do não-ser, do útero materno, do paraíso perdido...
Sobre esta base arquetípica -- Id e superego, Dionísio e Apolo --, similar em todos, há ainda um dicotomia que está na raiz do ser humano ocidental. Há em nosso cérebro um Sócrates e um São Paulo, um grego e um hebreu, um filósofo e um anacoreta -- e eles nunca chegarão a um acordo. A cada dia que me levanto, além da briga acirrada ente Id e superego, tem esses dois que não param de discutir... Não, não sou clássico. Não posso ser clássico, arcádico, parnasiano, ainda que eu quisesse... Depois da Idade Média, não se pode retroceder impunemente à Antiguidade. Com efeito, dentro de mim há uma ágora, onde os filósofos -- estoicos, epicuristas e céticos -- se deblateram eternamente, mas sempre com elegância e educação. No entanto, há também uma catedral gótica, cheia de gárgulas, mosaicos e vitrais -- e visagens de santos e virgens em êxtase... Entre os tamborins das festas helênicas e o órgão solene que brota da catedral sombria, minha alma se dilacera. Por isso eu digo: eu sou barroco, uma encruzilhada de caminhos que levam a múltiplas direções, um feixe de fibras que se cruzam em inúmeros sentidos... Entre céu e lama, luz e trevas, beatitude e maldição, Santo Agostinho e Aristóteles, estou condenado a não ter paz enquanto caminhar sobre esta Terra desolada e sob este Sol impassível. Mas é justamente esta inquietude, esta angústia que é criadora, geradora de estrelas bailarinas. É preciso um caos para criar um cosmos. Se o preço da paz interior é a apatia, eu prefiro este vulcão permanente dentro de mim. Em vez da bonança e da paz da Arcádia, o ímpeto e a tempestade. Mesmo sabendo que sou -- meu ego, este que escreve, ou acha que escreve este texto -- uma ilusão. Ou por isso mesmo.

Otto Leopoldo Winck