segunda-feira, 2 de julho de 2018


Então ele saiu de casa rumo ao Bosque, um livro de capa vermelha num braço, uma corda ordinária comprada dia desses no bolso do casaco. Sentou-se à beira do rio -- um riozinho mequetrefe, mais esgoto que rio -- e leu alguns dos poemas do livro. Sorriu algumas vezes, talvez diante do efeito de um verso ou outro. Depois -- o sol estava caindo e logo o Bosque seria fechado --, ele saiu andando pelas alamedas sombrias do Bosque. Não foi fácil encontrar uma árvore apropriada.
No dia seguinte, um guarda municipal achou o corpo dele dependurado do galho de um plátano. Embaixo, jazia um exemplar das Flores do mal, aberto de borco. No seu bolso acharam um bilhete, apenas com uma frase de Homero: "Entre todas as criaturas que se arrastam e respiram so­bre a Terra, não há nenhuma outra mais infeliz que a criatura humana." Logo que sua morte foi anunciada nas redes sociais, começou a chover frases de condolências e consternação no seu perfil do Facebook. Perdemos uma grande promessa da poesia. Uma pessoa de rara sensibilidade. Uma mago das palavras. No entanto, no seu enterro, e mais ainda no seu velório, compareceu muito pouca gente. Com efeito, de todas as criaturas que se arrastam e respiram so­bre a Terra, não há nenhuma mais infeliz que o poeta.

Otto Leopoldo Winck

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