Vinicius Bopprê
Eu, que ainda não sei ser pai
Eu, que não sei se me casarei simplesmente pelo fato de não
conseguir imaginar essa situação, me peguei pensando...
O jantar. Eu iria adorar jantar todos os dias ao lado do meu
filho, eu depois do trabalho, ele depois da escola. Eu, que nunca lavei as
mãos, faria ele ir até o banheiro e lavar as deles, só pra me sentir mais pai.
Eu, que nunca usei faca, insistiria pra ele deixar a colher de lado. Eu, que
nunca comi verdura, ensinaria para ele todos os benefícios inúteis delas. Mas o
ápice seria ouvir suas histórias da escola: a briga no recreio por causa do
futebol, a primeira namorada que ele insistiria em dizer que a odeia, “para de
ser bobo pai, ela é feia”, e eu diria:
“Eu sei, eu sei”, e daria um sorriso fazendo algumas cócegas
nele.
Depois de jantar eu faria aproveitaria o resto da noite com
ele. Sentado, na mesinha da sala, tentaria, em vão, explicar exercícios de
matemática, e por ser meu filho, a genética também o impediria de entender o
valor de x e y.
Eu iria jogar botão com ele e ensinaria vários truques do
jogo, mesmo nunca tendo jogado mais do que duas vezes, e ele ficaria
maravilhado com minhas técnicas. Eu jogaria vídeo-game com ele, e depois de
perder várias vezes eu diria:
“Esses jogos perderam a graça, você precisa ver os jogos do
meu tempo”, tentando esconder minha derrota.
Assistiria um filme com ele, daqueles de desenho, que sempre
tiram um sorriso até dos mais rabugentos (como eu). E depois de estarmos
bastante cansados, ou entediados, eu, que nunca tive horários o levaria para a
cama, e lhe contaria uma história, daquelas de aventura, cheias de dragões e
princesas, e pediria que ele inventasse um final, para que tomasse gosto pela
literatura de um jeito sutil, afinal, ninguém começa gostando de Machado de
Assis.
Eu, que não sei costurar, pregaria na calça dele, na altura
dos joelhos um daqueles ridículos pedaços de couro, e ele ficaria orgulhoso do
seu novo “equipamento”, sem saber que alguns meses depois o detestaria.
Eu, que não sei cozinhar, num domingo qualquer arriscaria um
hambúrguer, ou um ovo frito, mas depois de ouvir dele duas vezes: “pai, isso
aqui tá muito ruim” , seguido de muitas risadas, eu desistiria e compraria um
Mc Lanche Feliz com aquele discurso de que “isso não alimenta, você só quer
pelo bonequinho”.
Eu, que nunca soube economizar, tentaria explicar pra ele
como devemos querer apenas aquilo que necessitamos, e negaria duas ou três
vezes o pacote de salgadinho, alegando que ele só quer a figurinha. Mas depois
eu compraria.
Eu, que não tenho bom-humor pela manhã, faria ele me dar bom
dia todos os dias, e cumprimentar todos os velhinhos do prédio que ele
encontrasse no elevador.
Eu, que sempre odiei dividir meu chocolate, faria ele dar
aquele último pedacinho delicioso a uma criança de rua, e lhe ensinaria a
ajudar as pessoas que precisam.
Eu, que já não tenho fé faria questão de ouvir todas as
noites “ ‘bença’, pai” , e eu te diria: “Deus te abençoe, meu filho”, só pra
que ele se sentisse mais seguro.
Eu, que ainda não sou pai, já penso no meu filho, me
perturbando de noite com medo da loira do banheiro – se é que isso ainda
existe; reclamando comigo por tirar foto dele sem os dentes da frente; me
fazendo chorar ao vê-lo entrar na faculdade e me dando um neto, para que eu,
que ainda não sei ser pai, aprenda a ser avô também.
Janela
de mim.
viniciusboppre.blogspot.com
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