quarta-feira, 12 de junho de 2019

Crônica para o Dia dos Pais:


Vinicius Bopprê                


Eu, que ainda não sei ser pai

Eu, que não sei se me casarei simplesmente pelo fato de não conseguir imaginar essa situação, me peguei pensando...

O jantar. Eu iria adorar jantar todos os dias ao lado do meu filho, eu depois do trabalho, ele depois da escola. Eu, que nunca lavei as mãos, faria ele ir até o banheiro e lavar as deles, só pra me sentir mais pai. Eu, que nunca usei faca, insistiria pra ele deixar a colher de lado. Eu, que nunca comi verdura, ensinaria para ele todos os benefícios inúteis delas. Mas o ápice seria ouvir suas histórias da escola: a briga no recreio por causa do futebol, a primeira namorada que ele insistiria em dizer que a odeia, “para de ser bobo pai, ela é feia”, e eu diria:
“Eu sei, eu sei”, e daria um sorriso fazendo algumas cócegas nele.

Depois de jantar eu faria aproveitaria o resto da noite com ele. Sentado, na mesinha da sala, tentaria, em vão, explicar exercícios de matemática, e por ser meu filho, a genética também o impediria de entender o valor de x e y.

Eu iria jogar botão com ele e ensinaria vários truques do jogo, mesmo nunca tendo jogado mais do que duas vezes, e ele ficaria maravilhado com minhas técnicas. Eu jogaria vídeo-game com ele, e depois de perder várias vezes eu diria:
“Esses jogos perderam a graça, você precisa ver os jogos do meu tempo”, tentando esconder minha derrota.

Assistiria um filme com ele, daqueles de desenho, que sempre tiram um sorriso até dos mais rabugentos (como eu). E depois de estarmos bastante cansados, ou entediados, eu, que nunca tive horários o levaria para a cama, e lhe contaria uma história, daquelas de aventura, cheias de dragões e princesas, e pediria que ele inventasse um final, para que tomasse gosto pela literatura de um jeito sutil, afinal, ninguém começa gostando de Machado de Assis.

Eu, que não sei costurar, pregaria na calça dele, na altura dos joelhos um daqueles ridículos pedaços de couro, e ele ficaria orgulhoso do seu novo “equipamento”, sem saber que alguns meses depois o detestaria.
Eu, que não sei cozinhar, num domingo qualquer arriscaria um hambúrguer, ou um ovo frito, mas depois de ouvir dele duas vezes: “pai, isso aqui tá muito ruim” , seguido de muitas risadas, eu desistiria e compraria um Mc Lanche Feliz com aquele discurso de que “isso não alimenta, você só quer pelo bonequinho”.

Eu, que nunca soube economizar, tentaria explicar pra ele como devemos querer apenas aquilo que necessitamos, e negaria duas ou três vezes o pacote de salgadinho, alegando que ele só quer a figurinha. Mas depois eu compraria.

Eu, que não tenho bom-humor pela manhã, faria ele me dar bom dia todos os dias, e cumprimentar todos os velhinhos do prédio que ele encontrasse no elevador.

Eu, que sempre odiei dividir meu chocolate, faria ele dar aquele último pedacinho delicioso a uma criança de rua, e lhe ensinaria a ajudar as pessoas que precisam.

Eu, que já não tenho fé faria questão de ouvir todas as noites “ ‘bença’, pai” , e eu te diria: “Deus te abençoe, meu filho”, só pra que ele se sentisse mais seguro.

Eu, que ainda não sou pai, já penso no meu filho, me perturbando de noite com medo da loira do banheiro – se é que isso ainda existe; reclamando comigo por tirar foto dele sem os dentes da frente; me fazendo chorar ao vê-lo entrar na faculdade e me dando um neto, para que eu, que ainda não sei ser pai, aprenda a ser avô também.
                Janela de mim.
viniciusboppre.blogspot.com

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