Poemas
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Da Lua aos raios prateados
Que no horizonte se espargem,
Como fulguram os prados
Da lua aos raios prateados,
Há vagos silfos alados
Do rio azul pela margem
Da lua aos raios prateados
Que no horizonte se espargem.
.
Ah! Ser pássaro! ter toda a amplidão dos ares
Para as asas abrir, ruflantes e nervosas,
Dos parques através e dos moitais de rosas, Nos floridos
jardins, nas hortas e pomares.
Ser pássaro, cantar, subir, voar na altura,
Pelos bosques sem fim, perder-se nas florestas,
Das folhagens do campo em meio da espessura,
Das auroras de abril nas cristalinas festas.
Tecer no tronco seco ou no tronco viçoso
O quente lar do amor, o carinhoso ninho,
De onde sairá mais tarde o pipilar mavioso
De um outro mais gentil e meigo passarinho.
Não temer o verão e não temer o inverno Para tudo alcançar
na leve subsistência, No contínuo lidar, no labutar eterno,
Que é talvez da alegria a mais feliz essência.
Viver, enfim, de luz e aromas delicados Nascido dentre a
luz, gerado dentre aromas, Sonorizando o azul, sonorizando os prados
E dormindo da flor sob as cheirosas comas.
Voar, voar, voar, voar eternamente, Extinguir-se a voar, no
matinal gorjeio,
E ser pássaro, é ter em cada asa fremente
Um sol para aquecer o frio de algum seio.
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Torva Babel das lágrimas, dos gritos,
Dos soluços, dos ais, dos longos brados,
A Dor galgou os mundos ignorados,
Os mais remotos, vagos infinitos.
Lembrando as religiões, lembrando os ritos,
Avassalara os povos condenados,
Pela treva, no horror, desesperados,
Na convulsão de Tântalos aflitos.
Por buzinas e trompas assoprando
As gerações vão todas proclamando
A grande Dor aos frígidos espaços...
E assim parecem, pelos tempos mudos,
Raças de Prometeus titânios, rudos,
Brutos e colossais, torcendo os braços!
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Ocaso no mar
Num fulgor d'ouro velho o sol tranquilamente desce para o
ocaso, no limite extremo do mar, d'águas calmas, serenas, dum espesso verde
pesado, glauco, num tom de bronze. No céu, de um desmaiado azul, ainda claro,
há uma doce suavidade astral e religiosa. Às derradeiras cintilações doiradas
do nobre Astro do dia, os navios, com o maravilhoso aspecto das mastreações, na
quietação das ondas, parecem estar em êxtase na tarde. Num esmalte de gravura,
os mastros, com as vergas altas, lembrando, na distância, esguios caracteres de
música, pautam o fundo do horizonte límpido. Os navios, assim armados, com a
mastreação, as vergas dispostas por essa forma, estão como que a fazer-se de
vela, prontos a arrancar do porto. Um ritmo indefinível, como a errante,
etereal expressão das forças originais e virgens, inefavelmente desce, na tarde
que finda, por entre a nitidez já indecisa dos mastros... Em pouco as sombras
densas envolvem gradativamente o horizonte em torno, a vastidão das vagas.
Começa, então, no alto e profundo firmamento silencioso, o brilho frio e fino,
aristocrático das estrelas. Surgindo através de tufos escuros de folhagem,
além, nos cimos montanhosos, uma lua amarela, de face chata de chim, verte um
óleo luminoso e dormente em toda a amplidão da paisagem.
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Incensos
Dentre o chorar dos trêmulos violinos,
Por entre os sons dos órgãos soluçantes
Sobem nas catedrais os neblinantes
Incensos vagos, que recordam hinos...
Rolos d'incensos alvadios, finos
E transparentes, fulgidos, radiantes,
Que elevam-se aos espaços, ondulantes,
Em Quimeras e Sonhos diamantinos.
Relembrando turíbulos de prata
Incensos aromáticos desata
Teu corpo ebúrneo, de sedosos flancos.
Claros incensos imortais que exalam,
Que lânguidas e límpidas trescalam
As luas virgens dos teus seios brancos.
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Os cânticos
No templo branco, que os mármores augustos e as cinzeluras
douradas esmaltam e solenizam com resplandecência, dentre a profusão suntuosa
das luzes, suavíssimas vozes cantam. Coros edênicos inefavelmente desprendem-se
de gargantas límpidas, em finas pratas de som, que parecem dar ainda mais
brancura e sonoridade à vastidão do templo sonoro. E as vozes sobem claras,
cantantes, luminosas como astros. Cristos aristocráticos de marfim lavrado,
como fidalgos e desfalecidos príncipes medievos apaixonados, emudecem diante
dos Cânticos, da grande exalção de amor que se desprende das vozes em fios
sutilíssimos de voluptuosa harmonia. O seu sangue delicado, ricamente
trabalhando em rubi, mais vivo, mais luminoso e vermelho fulge ao clarão das
velas. Dir-se-ia que esse rubi de sangue palpita, aceso mais intensamente no
colorido rubro pela luxúria dos Cânticos, que despertam, ciliciando, todas as
virgindades da Carne. Fortes, violentas rajadas de sons perpassam convulsamente
nos violoncelos, enquanto que as vozes se elevam, sobem, num veemente desejo,
quase impuras, maculadas quase, numa intenção de nudez. E, através da volúpia
das sedas e damascos pesados que ornamentam o templo, das luzes adormentadoras,
dos perturbadores incensos, da opulência festiva dos paramentos dos altares e
dos sacerdotes, das egrégias músicas sacras, sente-se impressionativamente
pairar em tudo a volúpia maior - a volúpia branca dos Cânticos.
João da Cruz e Sousa,