Voltavam os dois para o hotel, depois de um pesado dia de trabalho – tão pesado
que,parase ressarcir da correria e sufoco (estavam em Montevidéu, cobrindo mais
um golpe militar), resolveram dar cabode uma garrafa de vinho antes dese
recolher.Na suposição de que no Uruguai tomar apenas uma garrafa é descortesia
com os nativos,tomaram outra e,por via das dúvidas,uma saideira.De forma que
repórter e fotógrafo trocavam a spernas quando, em seu modesto hotel, passaram
pela solitária figura do recepcionista, um velhinho sorridente.
Mal chegados ao quarto, um deles ligou para a recepção:
– Señor, por favor, dos chicas.
Depois de uns segundos de perplexidade, o porteiro se pôs a
explicar que aquele era um hotel de família, razão pela qual não poderia
atender o jovem brasileiro em seu pedido de duas garotas.
– Dos chicas, señor, por favor – insistiu o rapaz, com a
inflexibilidade bovina dos bebuns.
–Lo que usted me pide no es permitido en este hotel – volveu
o velhinho, e já estava para perder a paciência quando veio de lá, pastosa, a
frase que por pouco não lhe destronca a inteligência:
– Bueno, ¡entonces dos jugos de naranja!
* * *
Eu estava em Estocolmo para cobrir o casamento do rei Carlos
Gustavo com a meio brasileira Silvia Sommerlath,e,no meu ímpeto atabalhoado de
jovem repórter, tratei de reivindicar credenciais para todos os eventos.E não
me conformei ao saber que não teria acesso a um deles – justamente o coquetel
que o casal ofereceria à imprensa nas dependências do palácio. Ah, isso é que
não! – e tanto insisti que, contrafeitos, me deram a credencial.
Só fui perceber o quanto fora impertinente quando cheguei à
galeria onde o coquetel estava para começar:havia um mar de cabelos louros e
olhos azuis (as cores, aliás, da bandeira sueca), e nele eu seria o único,
desgarrado forasteiro. Corpo estranho até em sentido literal, com meus cabelos
castanhos e encaracolados, me refugiei num canto – até de mim se aproximar um
cavalheiro, que me chamou pelo nome.
Pronto, pensei, descobriram tudo. Queira me acompanhar,
disse ele em português, e, abrindo caminho na massa unanimemente sueca, me
conduziu ao centro de uma roda: este é o Sr. Werneck, do Jornal da Tarde,
Brasil. Apontou para mim – dois minutos! – e me deixou na companhia do rei e
sua noiva. Depois soube que era diplomata e ali estava exclusivamente para
pajear um brasileiro enxerido.
Tinham me contado que a Suécia funciona, mas não precisava
exagerar!
* * *
Aquele outro brasileiro,senhor de si e dos outros, chegou a
Estocolmo com uma indicação de hotel cinco estrelas – em cuja recepção perdeu a
pose ao ser informado de que não havia vagas. Como não?!– trovejou,declinando
sua condição de enviado especial de uma importante revista brasileira, o senhor
está me entendendo?,para cobrir o casamento do seu rei! Exatamente por isso,
fez lhe ver o recepcionista, pelo fato de o rei estar se casando,éque o hotel
estava lotado.
Ciente agora de que carteira das tropicais não funcionam na
Escandinávia, o camarada ligou para o Brasil e desabafou para cima d opatrão:a
Suécia só tem fama! – saiba o senhor que corro o risco de dormir no banco da
praça!
Meia hora depois, tendo baixado a fervura, encontrou pouso
num bom hotel e esqueceu o assunto. Dias mais tarde, porém, quando tomávamos
café no centro de imprensa, seu nome foi chamado pelo alto-falante. Senhor
fulano? – certificou-se um amável funcionário, e lhe perguntou se estava bem
instalado na cidade. Magnificamente! – sorriu o colega. Então o senhor não está
dormindo no banco da praça?–tornou o funcionário, enquanto o jornalista,
gaguejante em mau francês, se dava conta do que se passara: o patrão fora
queixar-se ao embaixador da Suécia, que pediu informações ao ministério em Estocolmo.
Caiu sobre nós uma espessa vergonha cívica, enquanto meu compatriota era
delicadamente instado a assinar uma declaração de que não,não estava dormind
ono banco da praça.
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