- Carlos Herculano Lopes
Alguns meses antes do casamento, às vezes na companhia da
noiva, ou apenas do corretor, Tiago começou a procurar um apartamento para
comprar. “Só vamos nos casar quando tivermos casa própria, não precisarmos
pagar aluguel”, vivia repetindo para ela. Quando conseguiram juntar o dinheiro,
depois de vários anos fazendo economia, viram que estava na hora de iniciar a
busca. “Para mim qualquer lugar está bom, desde que seja com você, meu amor”,
Marisa sempre dizia, cheia de romantismo.
No primeiro que
visitaram, num prédio com cerca de 20 anos, situado numa rua movimentada da
Floresta, não agradaram de duas coisas: a primeira, o barulho de carros e
ônibus, que era intenso. E também porque ficava no térreo, de frente para um
lote vago, no qual, muito provavelmente, fariam outra construção. Depois de
pronta, com certeza, escureceria o apartamento e o desvalorizaria.
Naquele mesmo dia, os dois estavam de folga, foram a mais
três. O da Sagrada Família, na Rua Conselheiro Lafayette, era úmido, com um só
banheiro, e pouco ventilado. O outro, no final do Horto, ficava numa rua
íngreme. E o terceiro, em Santa Tereza, era pequeno demais, fora o preço
abusivo que estava sendo pedido. “Negócio é calma, fiquem tranquilos, que hora
destas aparece um do agrado. Temos opções de sobra”, lhes disse o corretor, com
a sabedoria de quem, há mais de 30 anos, estava no ramo.
Umas três semanas mais tarde, pois nesse intervalo Tiago
teve de fazer uma viagem e Marisa estava muito apertada no trabalho, foram
novamente à luta, com aquele mesmo vendedor, do qual estavam ficando amigos.
Gostaram demais de um, de três quartos, com suíte, duas vagas de garagem, sala
conjugada e uma cozinha imensa, fora a área de serviço. Era numa rua calma do
Gutierrez, bem próxima de uma praça e de uma igreja. Mas ficou só na vontade,
porque não tinham condições de comprá-lo.
Ao dono de outro apartamento, no mesmo bairro, chegaram a
fazer uma oferta, e o negócio quase deu certo. Um detalhe, de última hora,
atrapalhou. “É assim mesmo, não tinha de ser de vocês”, falou o corretor,
quando se despediram, já quase 9h da noite. Todos estavam muito cansados.
Com mais ou menos intensidade, nos dias seguintes
prosseguiram naquela procura, e numa nova visita, assim que entraram num
apartamento no Centro, todo reformado, com as paredes pintadas de branco, Tiago
começou a sentir uma coisa esquisita. Uma espécie de nó na garganta. Algo
bastante parecido com o medo. Mas ficou calado, e guardou aquela sensação só
para ele. Logo em seguida, Marisa, lhe dando a mão, disse: “Vamos embora,
querido, não estou passando bem, tô meio tonta”.
Na saída do prédio, o corretor, pouco antes de deixá-los,
comentou, passando o lenço na testa: “Não sei por que, mas me deu uma coisa
estranha naquele imóvel. Fiquei doido para cair fora”. “Aconteceu o mesmo
comigo”, disse Tiago. Ao que Marisa, apertando ainda mais a sua mão, confessou
baixinho que, “lá dentro”, teve até dor de barriga. Menos de um mês depois,
finalmente, conseguiram comprar o apartamento dos sonhos, no qual estão vivendo
há dois anos. Quanto àquele outro, que haviam olhado no Centro, até hoje,
segundo o corretor, com o qual se encontraram dia desses, ainda não foi
vendido.
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