“MEDITAÇÃO DO MORIBUNDO”. Se me fosse dada a
ousadia de deslocar este poema, chamaria de “Meditação do Moribundo”. Aqui, o
corpo, como o mundo através do corpo que o contempla, é representado por meio
de imagens parasitárias, peçonhentas. O baixo-bestiário bíblico em alguma
medida é acionado para enfatizar os seres que se alimentam da “carne putrefata”
ou do que resta de proveito deste ser que se esvai aos poucos. Penso no
moribundo porque, à medida que a coluna entorta e o câncer assola o esôfago –
impedindo a fala, por exemplo –, perdemos medida e controle sobre nós mesmos e
nosso ambiente, de tal forma que a própria ‘generosidade’ incomoda, em dupla
chave: aquela do passado, que criou uma redoma que pouco preparou para a vida e
que parece ter gerado dificuldade de dizer “nãos” necessários que evitassem uma
“generosidade promíscua” que, no final das contas, suscitou relações
parasitárias que não se tem mais força para reverter; mas há também a chave do
presente do moribundo, pois cada ato de ‘generosidade’ com o moribundo silente
e impotente evidencia a sua perda sobre si mesmo, ressalta os interesseiros
atuais que o cercam por conta de um testamento (reforçando a sensação de estado
de sítio), ilumina a perda completa de si neste corpo sitiado que apodrece, que
agora sitia e atormenta o ‘eu’ defrontado pela finitude. Tudo isso provoca o
balanço sobre o mundo e si mesmo, pessimista, na medida da dor, da frustração e
da finitude doentia; na medida da consciência que faz o balanço de suas ações
no mundo e não gosta do que vê. Então, meditemos com o Moribundo para
aprendermos a estar vivos.
Alexander Martins Vianna.
Sobre o poema de Alberto Lins Caldas
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