segunda-feira, 28 de abril de 2014
Poética
ainda que fosse viagem
de metrô ou fantasia
e o assunto que eu mais queria
fosse o que não dissesse
e o mar apenas trouxesse
gaivotas sobre os cabelos
vento sol maresia
e o líquido que não bebemos
fosse conhac ou cerveja
mesmo assim que a vida seja
entre o que os pelos lateja
o que a tua boca não fala
o que a tua língua não prova
e a prova das dezessete
te levasse mais cedo
inda assim não tenha medo
a palavra entre meus dedos
é o que ainda não disse
miragem essa coisa nova
agora revisitada
naquela hora marcada
do encontro que não tivemos
Artur Gomes
www.pelegrafia.blogspot.com
anos de chumbo
anos de chumbo
flores
no meio do caminho
não impedem
o avanço das tropas
sensibilidade
nunca foi o forte
dos homens de botas
© Ademir Antonio Bacca
Do livro: “Grito por dentro das palavras”
tear...
As linhas que tecem sua face,
fazem-na multicor…
meu corpo acalora-se e esvai-se
todo e qualquer sentido de dor.
O tear faz-se magia…
mãos ágeis, tecem novidades.
Como a luz se faz espargir no dia,
não fujo das minhas soltas verdades.
Talvez a tez que brilha e cintila,
possa ser a luz, que demarca meu percurso.
Absorto e absterso, meu corpo já não oscila.
Compreendo-me, dentre os segredos do impulso.
As linhas dão forma risonha ao seu jeito de ser.
Liberto-me… qual folha outonal.
Já desdenho a possibilidade de vir a sofrer.
Já aprendi que chorar ou sorrir, faz-se ato natural.
josemir (ao longo…)
LÍNGUA
NALDOVELHO
Língua profana
que invade domínios,
em busca de encantos,
ardidos segredos,
sementes molhadas,
iguarias sagradas,
revelações.
Língua vadia
que perambula abusada
por trilhas, atalhos,
e por todos os lados
semeia desejos,
colhe essências
de ervas curtidas,
alucinação!
Língua atrevida
em busca do orvalho
que brota suado
do corpo tomado
pela excitação.
Língua peçonha
deixou em meus poros
o veneno curado,
e trouxe a demência
de ser teu escravo,
teu pasto e repasto,
tirou-me as pernas,
já não posso fugir.
letra de mais uma canção novíssima. é totalmente sertaneja
Luiz Felipe
Leprevost
preciso te ver
agora
ou vou entrar num
navio pro mar morto
se eu não te ver
vou preferir ficar cego
voltar a ter crises
de pânico
dedicar a minha
vida a criar pitbulls
vou virar
traficante de armas na áfrica do sul
preciso te ver
agora
ou nunca mais vou
sair de casa aos sábados
se eu não te ver
não danço mais livro nenhum
vou virar cirurgião
dentista
virar contador
desentupidor
jamais vou querer
outra vez ser artista
se eu não te ver
agora
vou pedir pro meu
irmão me
indicar pra
trabalhar como assessor
de imprensa de um
vereador do governador
pra ser estagiário
pra alguém mandar
em mim
e me pedir pra
buscar café
a cada dez minutos
e adeus shows com o
Eugênio Fim
se eu não te ver
agora
vou numa bruxa
pedir
pra ela me
transformar numa gata preta
vou passar todos os
meus próximos natais
numa cidade do
interior
com o nome de um
animalzinho
com a família do
Clélio e mais
vou invadir bêbado
o natal dos teus sobrinhos
ou então, imploro,
me prendam numa gelada câmara
se eu não te ver
agora
se eu não te ver
agora
Sofria de falta de
importância.
Um dia, acometida
de crise aguda, tomou um cafezinho num boteco e sumiu.
Anos depois, um
poeta pós-moderno a encontrou e a levou para tomar ar e sol.
Curada da
desimportância, ela agora sorria e aplaudia ao ouvir rimbaud
e baudelaire.
E o poeta jamais
lhe disse que a encontrara morta, toda encolhida, misturada
com restos de
açúcar demerara, dentro de um mísero sachê antigo de bar.
Lilly Falcão
O Camelô Sobrenatural
Este fato aconteceu numa sexta-feira, dia 17 de fevereiro de
2012, na cidade de Curitiba. Naquela tarde eu saí do meu curso, no Centro, e
virei a esquina da Rua Doutor Muricy com a Rua José Loureiro. Então passei,
rapidamente, por dois rapazes que vendiam perfumes num carrinho de mão. Quando,
de repente, escutei uma voz:
- Professora!
Logo pensei:
- Este chamado não é para mim, afinal a última vez em que
dei aulas foi em 1993 e isto durou apenas três meses. Afinal, descobri que não
tenho vocação para ser professora.
Continuei andando, mas ouvi outro grito:
- Tia da Poesia !
Então refleti:
- Poesia é algo que ainda escrevo. Portanto acho que,
realmente, tem alguém me chamado.
Desta maneira olhei para trás e vi um jovem moreno olhando e
acenando para mim, que era um dos vendedores de perfume. Então me aproximei e o
rapaz disse:
- Professora, que saudades!
- Amo suas poesias!
- Sua mãe melhorou?
Deste jeito, eu pensei:
- Não consigo me lembrar desta pessoa.
- Mas, como este ser sabe que eu fui professora, escrevo
poesias e tenho a mãe doente?
- Seria algum amigo virtual?
Mas, o moço continuou:
- Tia, eu cresci e agora sou camelô.
- Como sou seu fã, vou lhe dar uma colônia de presente.
- Não precisa pagar nada, pois para a senhora é de graça!
Assim ele pegou um perfume do carrinho de mão e colocou na
minha mão. Desta maneira fiquei com vergonha e refleti:
- Será que devo aceitar o regalo?
- E se ele estiver me confundindo com outra pessoa?
- Será que é um novo tipo de golpe?
O rapaz interrompeu meus pensamentos falando:
- Também vou dar esta pomada para a sua mãe que está doente.
Então ele me ofereceu uma pomada chamada Gellus – Pomada
Para Dores.
De repente, perguntei:
- Você está em alguma rede social?
Deste jeito, o vendedor respondeu:
- Na verdade, nem sei mexer com estas coisas de Internet.
Naquele instante, como eu estava constrangida retirei cinco
reais, que era o único valor que eu tinha, da minha “pochete” e entreguei ao
moço:
- Gostaria de pagar-lhe de alguma maneira.
- Por favor, receba este dinheiro.
O vendedor aceitou e resolvi me despedir dele. O mais
interessante é que meu pai estava com inchaço nos pés e precisava, realmente,
de uma pomada para dores.
Achei este acontecimento estranho e um tanto sobrenatural.
Dentro do ônibus eu me perguntei:
- Será que aquele camelô era um anjo ou tudo não passou de
um surto meu?
Ao chegar a minha casa entreguei a pomada para meus pais e
peguei no perfume, onde estava escrito na embalagem: “Carpem Die”, que é a
citação de um dos meus filmes favoritos: Sociedade dos Poetas Mortos.
Com certeza, este dia foi especial.
Luciana do Rocio Mallon
O riso solto saltava de um coração preso e caia,
levantava e fugia cego ,rumo ao desespero a loucura .
O riso era um rio onde o coração -âncora afogado se nutria .
O riso enganava a tristeza que procurava ceifá-lo no lado
escuro da luz.
Por isso o riso não dormia na escuridão
olhava para dentro e lhe matava o coração.
O riso era a máscara da alma rasgada em prantos despedaçada
chorando o fogo no suor desafiando a negra consorte
vertendo vida em gotas num mar de sal.
Rir desafiando a morte esperando por melhor sorte
espera rasgando o rosto numa sombra de sorriso
em olhos cegos de tanto olhar.
Wilson Roberto Nogueira
domingo, 27 de abril de 2014
Tente e retente que a tinta sairá do cuore ou do cérebro ou
das cicatrizes ou da sombra
penso :equilibrar-se sobre um fio no alto do circo não tendo
rede embaixo e ser franco e honesto consigo mesmo e com a morte.Usar o
discernimento e o bom senso sempre senão cataplaft...
pode não ter nada a ver com a gíria parece uma erupção sem
barulho de algo que assisti nas sombras dos sonhos.
levantar peso, a vida já faz; lançá-lo à distancia meu rapaz
é o que satisfaz.A jóia do saber viver é aproveitar os detalhes da vida , focar
na claridade sempre , mesmo no escuro...
preciso de drágeas de auto-engano para convencer a sombra
que sou que sou sol
só sabendo ler na sombra que sou que existe sim a
possibilidade da luz.
Wilson Roberto Nogueira.
a alma não ocultara a si diante do opaco espelho das
opiniões
o caráter delineara mera sombra no empoeirado espelho
pálida vida velada de luares invernais sobre ruínas que
prometiam sonhos
alicerces de nuvens
vidros partidos de janelas que não vêem o branco dos olhos
dos dias
parindo da dilacerada visão cores onde apenas bruxuleiam
fantasmas
janela aberta ao deserto nos olhos do abismo.
Ler no braço toda uma história - as placas de gordura , as
pelancas, as casquinhas do ressecamento; tudo marcado pelas vírgulas das
cicatrizes;cada letra com o devido pingo de sarna.Um pergaminho de
deterioração, degeneração a espera do ponto Final.
O olhar perdia-se no opaco enredo de u'a estória de
desenganos.
Wilson Roberto Nogueira
Alguns compenetrados, outros vagando pelos quadrantes da
sala a consumir o tempo em lenta lenta agonia ou olvidando por completo os insondáveis
caminhos das matérias .Outras personas a paisagem do teatro
interpretando?Interpretando saberes e seriedades; outras profissionais catando
códigos na busca por peneirar pedras preciosas de algum edital.Mais adiante
zanzam a procura do que desconhecem, apenas flanando nas veias expostas de
cidades imaginárias .Naquele canto ali , a natureza morta dos gestuais de
sapiência dos abancados."Oito horas a Biblioteca fechará suas portas .
"Os livros ficaram presos e dentro deles leitores fantasmas.Essa catedral
não recebe sem tetos e suas correntes de pedras.
Wilson Roberto
Nogueira.2009/19/09
Não existe só poesia-poesia. existe jornal-poesia, cinema-poesia, teatro-poesia, pintura-poesia...e o contrário: poesia-prosa, jornal-prosa, cinema-prosa, teatro-prosa, artes visuais-prosa...vivemos na era da prosa, um tagarelar sem fim sobre o que os outros fazem (ou o que apenas um autor faz, sem ser lido/ouvido por ninguém, como no facebook). a voz do autor é abafada ou mantida sob a moldura da "leitura correta" (a leitura única). o que aconteceria se regredíssemos e voltássemos ao tempo de prestar atenção a uma palavra ou imagem que fizesse olhar para além delas? palavra ou imagem que fosse além do entretenimento: o que se busca com a arte, prolongar a vida através da comunhão de espíritos.
Marilia Kubota
Naquele café esfumaçado bebia a si próprio , a cada gole
,enquanto o tempo passava .Impreciso caminhar."Que horas 'serão' , será
noite ou dia ?Não importava mais, sua juventude se fechara e só restara uma
lâmina de luz cortando os pés da porta.
Chegou em sua sórdida morada embora não tenha lembrança de
haver caminhado até lá .Pôs-se a descamar-se de suas roupas e a medida que se
aliviava delas , não encontrava sinal de si.A sombra que o perseguia ,
perseguia o sobretudo que ora o cobre de seu derradeiro inverno .
Agora entre o pó e as teias de seu quarto tornara-se o vulto
translúcido de seu trincado espelho.
Wilson Roberto Nogueira
Um pequeno sol escurecendo a visão.
Na escuridão do quarto o olho cego de uma lanterna.
A porta arrombada de uma morada.
Um sórdido quarto de pensão
testemunha a prisão de um insone ladrão
de sonhos.
Inocência ausente desertora precoce
prece silenciosa diante do abismo e seu sorriso.
Porta aberta sangrando histórias que só as sombras sabiam.
Sob o colchão mofado acorda como quem se livra de afogar-se
o morador da pensão olha no olho da lanterna
o cano de uma arma.
Esteja Preso !
Wilson Roberto Nogueira.
É assim mesmo, a foto vai se apagando ou vamos dia a dia
passando a borracha, virando a página...Viver é conviver ,fazer vínculos caso
contrário é só existir.Se penso já tenho companhia.Embora seja tal um porre de
vodka de fundo de quintal.O rato só aproximava-se da luz de suas lembranças
para melhor conduzir as letras em suas fracas patas sujas de tinta e mesmo
assim conseguia produzir um modesto verso que lhe agasalhava de sombras e
sonhos.
Wilson Roberto Nogueira
só o que sobrou do sonho
é essa sombra no teu
olhar
o pesadelo trêmulo no teu
caminhar
é o vacilar dançarino do
demônio risonho
a busca por algo
invisível que a razão não alcança
são os passos incertos
dessa dança.
letras incertas qual
chuva de prateados
gafanhotos
afastam chateados garotos
abreviados
de sonhos de proletária
vida
a morte renasce em cada
sonho que assassina
essa é sua sina.
a sombra no teu olhar
é a alma que desaprendeu
a dançar.
tua seda sua sem amar
o mar te convida mas
mas não há mais nada
nada sobrou do sonho
na razão do teu amar.
Wilson Roberto Nogueira
2009
Cai um pingo de tinta
e a palavra se cobre
de mistério.
Nada tema com o trema
não trema com a reforma
da Língua
Ela é carne viva
e não é só portuguesa
brasileira
afrolusobrasilofona
deixem morrer de fome
os cães de pedra da
tradição
tais jazem no chão.
só o sombra sabe
onde desabrolhou
feliz Deisi.
Está deisiando olor alí
aqui agora acola
lelé legal
tri humus do humor.
Wilson Roberto Nogueira
2009
Pó
Impressionante era
esse sangue correndo em mim.
Cheio de heróis caídos, não
reconhecidos mas todos
verdadeiros. Era minha herança
Minha bandeira não tremulada
Redson Vitorino
fantasmas flutuam pálidos na meia da luz
cortina de sonhos na janela da alma.
pisca o vento murmurando antigas orações
coração do tempo bate aflito pulsão de morte
temperando a vida parindo da ferida uma semente de sangue.
Bate a porta e a morte desejada escapa deixando queimada
a morada da vida num beijo de aço e pus .
Na guerra a arma de destruição duradoura é o estupro.
No rosto da inocência a culpa eterna de ter nascido
a herança queimando na espinha a cada olhar
o silêncio estalando como um chicote
Passos na escuridão e no trovão uma bota no rosto
pegadas sonâmbulas na neve
velhos fantasmas da guerra
Ruínas de igrejas,mesquitas, sinagogas
Tantas casas vazias onde está o Senhor !!
Wilson Roberto Nogueira
VIZINHA DA FRENTE
— Você viu a gatona que se mudou pra casa da frente?
— Bonita, realmente.
— Bonita?! Então você não viu coisa nenhuma, é de fazer
qualquer um perder o sono. Eu que o diga, passo noites em claro por causa dela.
— Talvez eu não a tenha notado direito mesmo.
— Pois deveria, é de enlouquecer. Esses dias, ela estava
lavando o carro do marido, estava só de bermudinha e camiseta branca, e que
alvura de branco aquele! Deixava ver a cor vermelha de sua calcinha e a sombra
de seus... e a silhueta então.! Desenhada como se fosse uma obra de
Michelangelo. E a camiseta, então! Depois de molhada, fixou-se em seu corpo, os
seios são belos! Fartos, imponentes! Deu até para ver seus mamilos rosados. E
as pernas, roliças, com pêlos dourados refletindo o sol.
— Que eu saiba Michelangelo pintava figuras sacras, ele
pintou o teto da Capela Sistina. Não sei se ele pintava formas de mulheres, mas
se pintava, certamente eram rechonchudas.
— Isso não tem importância. Na verdade, nenhum pintor teria
imaginação para retratar aquela beldade.
— Deu para ver tudo isso daqui da janela?
— Deu, e ainda mais quando ensaboava aquela lata fria,
deixou-se...
— Vamos parar com esse papo. Não viu não que a moça tem
marido? Tem que respeitar...
— Eu respeito. Sempre que ele aparece, eu paro de olhar. Tem
mais, nem te falei no dia em que estava plantando flores no jardim. Estava de
saia, não era curta, mas ela a puxou até o joelho para se aga-char e daí...
— Já falei... Vamos parar, o senhor, com a sua idade, tendo
esses pensamentos, faça-me o favor! O senhor nem enxerga direito mais.
— Não enxergo com o olho direito que a catarata tomou, mas o
esquerdo está uma maravilha.
— Daqui a pouco, a vovó pega o vovô falando essas coisas.
— A tua avó está quase surda, ela não nos ouve da cozinha.
A velha, que estava fazendo o café, entrou na sala, olhou o
velho com um sor-riso debochado e perguntou:
— O que está falando pro nosso neto, Alfredo?
— Pois é... é... Eu estava falando pra ele não ficar
pensando só em namorar, principalmente agora que ele passou no vestibular. Que
tem que levar os estudos a sério, ele vai ter um longo caminho pela frente, até
se formar doutor.
— Ah bom! Pensei que estivesse falando da moça da casa da
frente, que o deixa horas a fio plantado na janela, que nem um velho babão. Eu
to quase surda, mas enxergo bem com os dois olhos, velho!
A Compota de Pimenta e outros Contos "Puramente"
Picantes. J.Damasio
Noventa novenas para a
névoa em forma de sombra
sobras de uma vida que
dançava na tempestade
sonhando ser água pura
fervendo no asfalto
marcas do silêncio no
caminhar maldito da memória.
reza a estória que o
fantasma sem nome alimentava-se
da fome, da guerra e da
peste.
Faminto de fome não
passou
da guerra bebeu todo o
sangue
a peste sua assinatura
nas crianças que não nasceram.
O espectro do esqueleto
imortal perseguia a bruxa,
a macróbia camponesa
pelos campos radioativos e rios
que suplicavam água para
viver.
Voraz silêncio depois da
chuva de metal
semeando campas em
aldeias- lápides
só o fogo iluminando a
lua ausente ao entardecer.
Wilson Roberto Nogueira
2009
OLHOS ENTERNECIDOS
Corriam seus olhos enternecidos pela beleza do corpo da
jovem ainda nua na cama. Inspirado, ele falou:
— Como pude lhe tocar sem lixar sua macia pele com minhas
mãos ásperas de calos? Não entendo como meu corpo de-sajeitado e embrutecido
coube na delica-deza do seu... Que encaixe perfeito! Na loucura de ir e vir
perdi os sentidos... Com seu jeitinho de menina, é tão mulher, com sua úmida
língua me tirando a razão, o domínio do meu ser! Ao banhar sua pele, clara e
doce, com vinho tinto e seco embri-aguei minha alma! Com olhar indiferente, ela
falou:
— Deixe de me enrolar. E vai...
— É insensível às minhas palavras, entendo, não tenho e nem
posso lhe falar mais nada, apenas... Me faz por oitenta?
— Qual que é? O combinado é cem reais por duas horas, fiquei
quinze minutos a mais só pra ouvir suas asneiras...
A Compota de Pimenta e outros Contos "Puramente"
Picantes, 2006, J.Damasio
Olhos sem alma
mortos refletidos
em luzes fantasmas
do que foi um dia.
Algo tão comum,
como uma vala
onde anônimo repousa
o espírito da lembrança
de que um dia existiu um homem
que amava a vida e que caiu do topo
dela sem contudo alcançá-la
sem que ela lhe devolvesse um sorriso sincero.
Wilson Roberto Nogueira
deves deixar de ter as
entranhas expostas
no açougue
falar em voz baixa para
que meu coração
apenas seja ouvido pelas
vísceras.
O coração é a luz intensa
que dita os passos
da razão
É a luz que encobre as
pedras dos ocasos
é a ração
diária de sangue que a
vida cobra
daquele gauche que por
hora veste
a armadura da razão
A CABRA DE PAUL
Paul Smith Silva era um menino nem menos inteligente e nem
mais arteiro que os meninos da sua idade. A única coisa que o diferenciava dos
demais meninos de sua cidadezinha, era que ele havia nascido com uma perninha
mais curta que a outra.
Certo dia, no final da manhã, quando voltava manquitolando
da escola, viu sua mãe saindo do curral. Seu suor não era apenas do calor que
fazia. Ela, ao vê-lo, disse:
— Filhinho, vai pra cozinha que a mamãe já serve o armoço. A
sua cabra pariu hoje.
— O que é, é hominho, mamãe?
— É sim, meu fio.
— Bonito ele?
— É de uma belezura que dá gosto de vê.
Ansioso, ele falou:
— Deixa eu dá uma oiada nele, mamãe, uma oiadinha só.
— Não, ainda tá tudo sujo de sangue, a mãe dele tá limpano
ele agora.
— E a minha cabra, mamãe, vai ficá boa.
— Ela sofreu um bocadinho, mamãe teve que dá uma força, mais
agora ela tá bem.
Paolzinho, como carinhosamente era chamado, entrou na casa.
Começou a andar de um lado para o outro da sala, pisava firme pelo assoalho
barulhento, passava a mão na cabeça como se estivesse muito nervoso. Lembrou
que sua avó, quando ficava nervosa com as galinhas que não botavam, fumava
cigarro de alecrim para tentar se acalmar. Enrolou um bem fininho, e em meio às
baforadas, pensava: “Será que o cabritinho é parecido com eu, será que o
bichinho vai andar cocho também?”.
A Compota de Pimenta e outros Contos "Puramente"
Picantes, 2006, J.Damasio
Entre u'a novela e outra.Pausa para o comercial
telejornal.no mercado do entretenimento a noticia é show.mercadoria embalada a
ouro de tolos alimentando de pedras de luz a angustia de mergulhar no
vazio;alugando o tempo à névoa densa da ideologia onde a reflexão não encontra
os próprios pés e segue informa(ta)da,fidelizada manada de consumidores tocada
pelos apelos do carisma do olho luminoso da tele-visão, do galã e da mocinha.O
IBOPE atesta a audiência da hipnótica força do dogma do verossímil travestido
de verdade, na máscara do sorriso fácil ou da calculada expressão de seriedade
.Seguimos contudo a desligar a caixa de ilusões e procuramos aquela edição do
Hommo Videns de Giuseppe Sartori e caímos a larga na Sociedade do espetáculo
mais uma vez .
De Mara Paulina Arruda
As mãos nodosas de dona Amália seguravam um copo com suco. O
cabelo fino penteado para trás. Estava encostada na varanda enquanto o sol se
punha... Contava o número de aves naquela tarde. Ela aprendera ler o tempo: Uma
dorzinha no pulso ou um estralo na coluna anunciava mudanças...
Ela gostaria de falar de amor mádiosanto a vida não lhe deu
trégua e o amor ficou no longe dos olhos. Não queria nem falar naquele lá. Que
ficasse no canto dele! Já bastava ter lhe enrolado nos anos passados.Ela
gostaria de falar do cantar, ah ela gostaria...quando moça cantava bunito mas
nem a voz e nem o corpo alcançavam mais as notas necessárias. Trabalhar foi o
rio da sua vida. Esse foi o canto. Esse foi o amor na comunidade granjeira que
viveu. Depois de tudo tava ali sentindo o cheiro da uva, o cheiro dos pêssegos
e o cheiro das flores.
Por gentileza, façamos silêncio!
Revestida de cinza e brancas rotas vestes
voam plácidos no abismo olhos de luz negra.
Cinzas voam livres e velhas prisões famintas
agora são ossos morada de flores.
flores de pétalas doces .
Janelas em prantos esperam horizontes
cicatrizes costuradas no aço arames são caminhos
veias da liberdade.Bebe a paz no elmo caído da guerra.
Todos nossos ossos secos ao sol são brancos.
Wilson Roberto Nogueira
DANÇA DE ESTRELAS
não me vi quando dei por mim
vindo de não sei onde
e isso não se faz
eu andava meio assim
meio James Bond
meio litro a mais
havia um Rimbaud
sob meus braços
e um morto no hotel inglaterra*
não foi a dor que me enforcou
nem fios elétricos gastos
dando sete voltas na Terra
quanta felicidade pode haver aqui?
2014: cem anos sem Augusto
e mais cem cruzes para Cruz e Sousa.
sete salvas de tiros para Stan Lee
ao poeta de lei o mais que merecido busto
que à poesia importa quem mais ousa.
se a mim algum mérito sobre
nenhum ouro valha mais
que a língua que me critique e cobre!
antonio thadeu wojciechowski
*Sierguei Iessiênin (1895-1925)
...
Lenda da Cigana da Bola de Cristal
Na época da Pré-História existia uma civilização que era
nômade, vestia-se com peles de animais, brigava com outras tribos e vivia de
caverna em caverna.
Um certo dia os homens, desta civilização, entraram em
guerra com pessoas de uma outra aldeia. Por isto, esconderam suas mulheres numa
gruta. De repente, uma destas senhoras, olhou para o céu e fez a seguinte
oração:
“– Lua, proteja nossos maridos!
Como eu gostaria de ter um pedacinho seu para me ajudar a
ver o futuro.”
De repente, algo caiu do céu. A mulher foi verificar e achou
uma bola de cristal no chão. Assim, ela levou o objeto para dentro da caverna,
colocou em suas mãos e passou a ver o futuro através de imagens que apareciam
na própria bola, como por exemplo: que o líder daquela tribo morreria na batalha.
Como a previsão deu certo, as mulheres daquele clã passaram
a adorar a bola de cristal e fizeram até um templo para este objeto. Porém os
homens não aceitaram que a bola de cristal
fosse mais importante do que eles. Desta maneira as esposas abandonaram
seus maridos, pegaram os filhos e formaram uma cidade, onde a bola de cristal
era a principal deusa. O problema é que como não havia homens neste lugar, para
reprodução, as pessoas foram morrendo pouco a pouco. Então, quando sobrou uma
única velhinha doente, ela colocou o cristal numa gruta onde existiam figuras
rupestres, olhou para o céu e fez a seguinte oração:
- Lua, faça com que um povo místico encontre esta bola de
cristal.
Após falar estas palavras, esta senhora faleceu.
Muitos anos depois, uma caravana de ciganos aproximou-se
deste local e decidiu armar acampamento. Deste jeito, uma cigana chamada
Cristal avistou a caverna e decidiu explorá-la. A menina ficou encantada com as
figuras rupestres. Porém, ela viu um brilho que vinha do fundo, seguiu a luz e
avistou uma bola de cristal. Então, esta garota levou o objeto até sua tenda e
começou a admirá-lo. De repente, a cigana avistou sua irmã, Rubi, se afogando
num rio próximo. Desta maneira ela foi até a este local e salvou a garota. A
partir daquele momento, Cristal passou a utilizar a bola para adivinhar o
futuro e numa época de crise no acampamento, esta cigana resolveu dar consultas
com este objeto para as pessoas de fora. Assim ela espalhou o uso da bola de
cristal para os ciganos do mundo inteiro.
De acordo com Cristal as figuras e as cores que aparecem
dentro da bola tem vários significados:
Nuvens para cima: dinheiro e boas notícias.
Nuvens baixas: faça algo para que seus sonhos se realizem.
Nuvens para direita: toda a ajuda espiritual é bem vinda.
Nuvens para a esquerda: escolha outro dia para pedir ajuda à
bola de cristal.
Raios: mudanças
Bolinhas e chuvas: cuidado com o perigo.
Cores:
Branco: o auxílio está a caminho.
Preto: tristeza.
Azul: felicidade
Vermelho: nova paixão à vista.
Laranja: novo emprego.
Verde: ganhará dinheiro.
Amarelo: o dinheiro virá junto com sucesso e reconhecimento.
Rosa: terá um amor puro e verdadeiro.
Como invocar a cigana Cristal para ler o seu futuro na bola:
Primeiro compre uma bola de cristal puro. Depois, em uma
mesa redonda, acenda duas velas: uma na esquerda e outra na direita. Após isto
acenda um incenso de sua preferência e faça a seguinte oração:
“Cigana Cristal, minha eterna guia
Abençoe esta bola com harmonia!
Mostre-me o futuro de um jeito real
Aqui e agora neste mesmo, local!
A sua alma sempre me conduz
Com vibrações cheias de luz!
Cristal, traga-me a vidência e a sensibilidade
Para que eu veja o futuro de verdade.
Luciana do Rocio Mallon
sábado, 26 de abril de 2014
Prefiro a palavra que
inaugura
um espaço novo na
mente
do leitor. Aquela que
o arranca
do torpor e o faz embarcar
no trem,
na carroça, no ônibus
ou avião.
A palavra que o
arranca do chão
ou da poltrona. No
poema a palavra
é travessia. Por isso,
venha comigo
Vamos descarrilhar
esse trem.
Rubens Jardim
em nome
Estava no ventre da mãe
havia quatro meses. Esperto, chutava imaginando-se jogando futebol, quando
batia os bracinhos se via nadando numa piscina olímpica. Safadinho, já pensava
na primeira namorada. Projetava seus sonhos para o mundo exterior. Curioso,
começou a prestar atenção nas conversas dos seus pais, queria saber qual o nome
que lhe seria dado:
__ Falei pra você, não era hora de mais um filho, já temos dois.
__ Eu sei amor, não queria, você sabe, esqueci de tomar...
__ Por que não tomou a do dia seguinte?
__- Verdade, mas pensei que não ia dar em nada.
__ Mas deu, olha a merda que deu. Agora é tarde, mais um filho!
__ Eu também não queria, olha meu corpo, estou deformada.
__Verdade, está sim!
__Talvez dessa vez, venha uma menina.
__Menos mal, pelo menos isso, que venha uma menina!
Com o coraçãozinho apertado, o menino encolheu o seu pintinho.
__ Se for uma menina qual o nome que daremos?
__ Poxa! As despesas que esse bebê vai nos dar. Depois a gente vêm, pode ser o da minha mãe.
__ Sei... Tudo tão caro. Temos de arrumar uns padrinhos que nos dê um enxoval... Fale para seu chefe amor, faça uma media com ele.
__Verdade, falarei com ele, ele vai ficar lisonjeado, no mínimo nos dará o enxoval ou o berço.
Deprimido, o menino ao ouvir tudo, percebeu que seus sonhos não poderiam ser realizados naquela família. Decidiu não ter um nome! Enrolou o cordão umbilical em seu pescoço!
JDamasio
__ Falei pra você, não era hora de mais um filho, já temos dois.
__ Eu sei amor, não queria, você sabe, esqueci de tomar...
__ Por que não tomou a do dia seguinte?
__- Verdade, mas pensei que não ia dar em nada.
__ Mas deu, olha a merda que deu. Agora é tarde, mais um filho!
__ Eu também não queria, olha meu corpo, estou deformada.
__Verdade, está sim!
__Talvez dessa vez, venha uma menina.
__Menos mal, pelo menos isso, que venha uma menina!
Com o coraçãozinho apertado, o menino encolheu o seu pintinho.
__ Se for uma menina qual o nome que daremos?
__ Poxa! As despesas que esse bebê vai nos dar. Depois a gente vêm, pode ser o da minha mãe.
__ Sei... Tudo tão caro. Temos de arrumar uns padrinhos que nos dê um enxoval... Fale para seu chefe amor, faça uma media com ele.
__Verdade, falarei com ele, ele vai ficar lisonjeado, no mínimo nos dará o enxoval ou o berço.
Deprimido, o menino ao ouvir tudo, percebeu que seus sonhos não poderiam ser realizados naquela família. Decidiu não ter um nome! Enrolou o cordão umbilical em seu pescoço!
JDamasio
Pães amanhecidos
Zequinha lentamente andava, não tinha porque ter pressa. Não
tinha ninguém a esperá-lo e nem tão pouco um casebre para chegar. Carregava uma
bolsa ordinária, dessas que trazem o nome do colégio estampada, ela não pesava
muito nos ombros, pois nela só havia três pães amanhecidos que ganhara de uma
senhora em uma casa onde batera pedindo o que comer. Dera-se por feliz e
agradecido, pois os pães ainda estavam macios perto da dureza da fome que ele
sentia. Queria encontrar apenas um lugar tranquilo e sombreado para se sentar e
se farta. Sabia que mais à frente havia uma praça.
Pelo caminho, porém, foi atraído pelo cheiro de carne assada
que se alastrava pela rua. O cheiro saía caprichosamente pela porta de entrada
de uma recém-inaugurada churrascaria. Deteve-se diante dela, passou a língua
sobre os lábios e ficou a admirar o rodízio das carnes que passavam pelas
mesas. Via tudo, pois a parede da churrascaria era de vidro.
Primeiro viu a lingüiça borbulhando, depois a costela
tostada, a picanha suculenta. Quando viu passar o galeto brilhando aos seus olhos,
colocou o dedo na boca, lambendo-o como se fosse uma coxa de frango. Zequinha
começou a comer com os olhos e a saborear com o cheiro. Sentia o sabor de todas
as carnes que ali passavam. Então, sem perceber, tirou um pão velho e começou a
comer.
De repente, deparou-se com uma carne que nunca havia visto
antes. Pelo cartaz que, com dificuldade, soletrando havia lido, imaginou que só
podia ser carne de carneiro, pois sentiu na boca um gosto diferente, de carne
adocicada. Tirou de sua bolsa outro pão. Seus olhos estavam perdidos, os
garçons andavam rápido demais. Resolveu fixar seu olhar em uma única mesa,
sentindo-se como se estivesse nela. Vieram-lhe de novo a linguiça, a costela, a
picanha, o galeto e a carne doce de carneiro. Com a boca quase seca, engoliu o
que ainda tinha de saliva como se tomasse o refrigerante da mesa que se havia
transportado. Sem perceber, tirou o último pão da mochila e comeu o rodízio
todo de novo.
Por fim, passou os olhos em um canto do salão, onde estavam
as sobremesas. Visualizou as guloseimas, pêssegos em caldas, pudins, tinha
também salada de frutas, mas não o apeteceu, já que tinha a saliva doce por
causa do leite condensado do pudim.
Saiu empapuçado, nunca comera tantas carnes diferentes e
doces tão deliciosos. Andou por alguns metros e começou a sentir-se mal,
veio-lhe a imagem da linguiça borbulhando, da picanha suculenta, do frango
brilhando e da carne adocicada, das sobremesas que por fim desfrutou. O cheiro
também ficou impregnado em suas narinas. Tinha um embrulho no estômago.
Zequinha havia sido guloso, visto e saboreado demais!. Pensou até que seu
mal-estar devia-se ao pudim, o qual se imaginou comendo seis pedaços. O coitado
deu mais dois passos para começar a vomitar, vomitou muito. Viu, além dos três
pãezinhos velhos e secos que comera, as carnes nobres de várias espécies que
imaginou ter comido esparramadas pela calçada.
J.Damasio /Oração de Um Quase Descrente/ 2006
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