O amor
Entram no quarto, a mulher à frente, ele já no papel
escolhido, logo atras. Param um minuto para perceberem o ambiente, o quarto do
motel parece uma nave espacial concebida em algum delirium tremens dos anos
oitenta. O homem a toca no braço e indica a porta do banheiro semi aberta:
mamãe... Olha-o irritada, participar dos folguedos dele, tudo bem, mas ser chamada
de mamãe era intimidade demais. O homem conserta-se: mãe.
Ok, ok...
No banheiro leva um tempo para tirar o vestido justo azul
escuro, a cintura marcada por um cinto de verniz vermelho, numa pegada bem anos
cinquenta; valorizava seu excessos. Sabia que ele gostaria que se vestisse como
tivesse acabado de chegar dos anos setenta. Naquela época só tinha magras de
pernas longas e culotes e ela não tinha nada disso e se o homem a irritava um
pouco, contraria-lo era sua forma de equilibrar os pratos.
Quase um prólogo, ajusta sem necessidade a a meia fina que
dá um toque gostoso à pele e confere os sapatos de verniz vermelho da cor do
cinto, da cor das unhas. O salto agulha é explícito, comprou de propósito, é
bom que ele saiba: as coisa são o que são. Tira da bolsa uma camisola de um
tecido gelado azul turquesa com rendas no decote, quase uma piscina individual.
Põe, e conserva as meias e os sapatos; no terreiro do desejo a normalidade é o
primeiro galo sacrificado. Sorri, olhando-se no fumê do box.
Abre a porta devagar mas não completamente, apenas desliza
pela abertura, uma mrs Robinson latina.
O homem a esperava no mesmo lugar visivelmente excitado.
Estranha o turquesa. Não tinha branca? Não, muito feias, a mulher corta, seca.
Ele prefere não dizer nada, não vai perder o tesão por tão pouco. Começa a
apagar as luzes, deixa um mínimo, quase nada, em minutos a vista se acostumará
a obscuridade.
Mãe, senta aqui, a senhora está muito cansada... precisa
descansar... e todo solicito indica a borda mais próxima da cama. A mulher
obedece. Cada um atua em sua vibração, ela era só olhos. O homem se ajoelha em
frente. É maduro demais para parecer um adolescente e breve será velho. Deixe
eu tirar seus sapatos, sugere: é uma súplica e uma ordem. A mulher para reforçar
a aquiescência inclina levemente o corpo para trás, levemente... não move os
pés. Ele pega um pé e retira com destreza o sapato. Quantas vezes já fez isso?
Em alguns detalhes ela se esmerou, mas fez só para si: a meia de confecção
europeia, passadista, escondia as unhas numa biqueira mais encorpada que não se
usa mais. Se ele gostava dessa brincadeira ela gostava de caprichar no
figurino, e de assistir... endireita o corpo atenta à cena.
O homem ajoelhado senta-se sobre os calcanhares e começa a
massagear o pé apoiando-o na coxa, uma coxa dura; enquanto um pé é massageado,
o outro permanece calçado. A senhora sempre gostou, lembra? Lembra como eu
fazia, a senhora deixava... gostava muito... a mulher maliciosamente participa,
avança o pé, e o sexo duro oferece resistência debaixo da calça. Calça jeans,
foi de propósito, ele não era indefeso, sabia também como aborrece-la. Ele
continua a massagem inocente e ela a prospecção. Eu fazia massagem toda a
tarde, ninguém fazia melhor, sempre me disse... ele está feliz.
Logo um pé só não é suficiente e a massagem parece um roçar
convulsivo dos pés na calça jeans. Ela entra no perverso da coisa e diz
melíflua, filhote, não quer tirar também os sapatos? Adora quebrar o previsto,
sabe que a encenação precisa dela passiva ou inocente. O homem não discute,
joga os mocassins num canto, rápido, para manter-se no clima. Ela continua
fugindo do enredo... sua mãe está tão cansada, finge... e ele vai afundando um
pouco mais na história: é o papai, ele não presta, ele não trata a senhora
direito, mam... mãe. Não trata como eu trato, como deve ser tratada. Não tem o
menor carinho... a senhora é muito boa. A mulher quase ri da ambiguidade da
frase e prefere ficar calada, não quer interromper a cena. É um bêbado, papai é
um bêbado, fica só se masturbando na sala... mostrando o pau, só para mostrar
que o dele é grande. Com os pés a mulher sabe que aquela fruta não caiu longe
da árvore, se algo fez diferença, ficou na adolescência. E para marcar a
opinião não dita, explicita: aperta o pé com um pouco mais de força. Ele, que
não gosta de nada evidente, retrai-se. Agora, excitada, ela parte para o ataque
e se esforça para parecer maternal, o mais possível, inspira afetada e sugere o
mais doce que consegue, querido... não quer fazer um favor para sua mãe? Tire
minhas meias, querido, estou tão cansada... e baixa os olhos lânguida feito uma
atriz. Ele, que até o momento não olhara para ela, acusa o golpe, uma olhadela
rápida e uns segundos de indecisão, depois, as mãos acompanham a meia e o
contorno das pernas, vindas dos tornozelos passam por trás dos joelhos até a
lateral externa das coxas. Há uma pausa, ou ele esperava que as meias acabassem
nas coxas ou decidia o que fazer: era uma meia calça. Ela apela com tudo, tira
para a mamãe, tira... e ergue um pouco os quadris. Os dedos de um marmanjo de
quase quarenta anos puxa a meia calça como fosse sua primeira vez. Ela lamentou
sua fidelidade ao figurino, ter uma calcinha por baixo. Ele, para serenar, ou
sei lá o que, volta à massagem, aos pés, as unhas vermelhas.Ela ergue o pé e
cobre com ele o rosto do homem: barba e óculos, está como as vezes costuma
ficar, numa zanga fria, distante. Sem fazer cálculo o homem beija o cavo do pé,
a mulher ri, faz cócegas... beija então o esmalte das unhas. Ela força, empurra
os dedos para dentro dos lábios. Não, isso excederia a devoção filial. Irritada
ela apoia o calcanhar direito no ombro do homem ajoelhado, o derruba com um
pequeno impulso, sabe como fazer. Olha, só, você também está cansado, ela
surpreende-se com o próprio sorriso ... a maior desfaçatez. A senhora fez de
propósito, maldade... queixa-se o homem de quatro. Fez. Ou não fez, estava
apenas frustrada com o andar da carruagem, e completa, ríspida: sou sua mãe,
cadê o respeito! O homem retorna aos calcanhares e não diz nada. Ela inclina-se
para ele, segura-o pelos cabelos e enterra sua barba entre os seios, sua mãe te
ama, filhote! Ainda bem que os óculos dele eram resistentes. Há uma débil
resistência, mas ela o segura até que aceite essa simulação de colo materno e
vencido, passe os braços pela cintura da mulher que o embala, e a excitação se
confunde e se dissolve em algo perversamente maternal. Amava esse idiota, era
idiota ao ponto de amar esse idiota, afinal, tortamente era a mãe dele. Ele quebra
o silêncio com uma queixa infantil: não quero meus primos em casa... (??!!)
ficam só olhando a senhora. Puta que pariu!! Tenta ser didática, você também
não gosta? Ah, mas eu sou filho, não tem maldade... a mulher solta uma das mão
que segura o homem e põe no seio por dentro da piscina/camisola azul/gelada.
Olhe... é bonito... quem não gostaria de ver? E vai apalpando o próprio seio, a
camisola quase toca a testa do homem que, se não quer olhar, percebe os
movimentos. Ela pousa um tempo no real e diz, compungida e excitada: querido...
tem que enfrentar isso... sabe disso, não sabe? Eu estou aqui, se quiser... tem
que derrubar o muro ou aceitar ele na paisagem...
Ele levanta-se brusco e afasta-se... talvez nada venha a lhe
dar mais prazer que o nunca realizado .... vai para o interruptor da última
lâmpada do quarto e diz ainda de costas, mãe, não vamos conversar... estamos
muito cansados, vamos tirar um cochilo, papai está dormindo no sofá e a senhora
nunca gostou de dormir só... e desliga a luz.
A mulher deita-se no escuro total, o homem deita-se ao lado
completamente vestido sem sapatos. Um movimento qualquer e percebe um cobertor
cobrindo-a. Dá as costas, sabe o que virá depois, uma mão ténue e solícita, o
indisfarçável barulho do zíper e o toque discreto de algo duro que não
ultrapassará a camisola. Fecha os olhos, está excitada e frustrada.
Inês Monguillot