sexta-feira, 14 de abril de 2017


Paredes, ásperas paredes,
já não conseguem conter
os demônios soltos no outono
de chuva intensa. A solidez
se desfaz de arcos e argamassa
seculares. Paredes à espera
de pintura guardam o mofo de abrigo
sucateado. Sem tetos ainda pisam à noite
os tacos entregues às traças.
Tijolos à mostra, janelas por um fio
de mistério suspensas sobre o caos,
trabalho interno de portas e cupins
insaciáveis sobre qualquer caminho.
Paredes móveis amassam lentamente
o corpo selvagem como gaiola
de aço esmaga pássaro sem canto.
As ruas desapareceram, as praças,
os parques, as praias, os morros,
só as paredes multiplicam feito moscas
a ausência.

 José Antônio Cavalcanti

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