quarta-feira, 1 de março de 2017

MEU AMIGO TEATRO



É uma vida estranha. Quando eu comecei a fazer teatro em Londrina, eu apenas queria ser um ator e me divertir. Eu era muito jovem e não tinha planos pro futuro. Até hoje eu não tenho. Mas naquela época tudo o que eu pensava a respeito de futuro era: "Como é que eu vou conseguir dinheiro pra comer um cachorro quente hoje?" Eu pautei a minha vida assim: "Vou fazer só o que eu gosto na minha vida e quando acabar, acabou". Eu não mudei nada. Continuo pensando assim. Enquanto não chegar o fim, vou fazendo. Mas eu já escrevia algumas coisinhas (poemas, contos, etc) e os meus amigos no grupo de Teatro descobriram e praticamente me obrigaram a escrever um texto de teatro. Eu escrevi e percebi que levava jeito. Já escrevi mais de 50 textos, ganhei uma porrada de prêmios e já fui encenado por uma pá de diretores diferentes. Nunca esperei por isso. Quando me mudei pra São Paulo, fiquei passando fome alguns anos, bebendo conhaque vagabundo na Amaral Gurgel e comendo hot-dog e churrasco grego, mas tava tudo certo também. Eu continuava vivendo do jeito que eu escolhi. Eu tava devendo a mó grana quando eu ganhei o Prêmio Shell em 2.000. Aí eu consegui pagar as minhas dívidas e o Prêmio deu uma visibilidade ao meu trabalho que fez com que outras pessoas se interessassem pelos meus textos. O Reinaldo Pinheiro levou para o cinema o meu "Nossa vida não vale um Chevrolet". Ficou bem ruim, mas com o dinheiro dos direitos, mais um pouco do que eu já vinha guardando e com a montagem da peça "à meia-noite um solo de sax na minha cabeça" com o Raul Cortez eu consegui comprar a minha kitchenette. Eu jamais imaginei que moraria em uma casa realmente minha, ainda mais só fazendo o que eu gosto e que eu escolhi fazer. E continuei trabalhando, já tendo um lugar que era meu pra eu deixar cair minha carcaça bêbada de madrugada. Aí depois veio o convite pra eu ir pra Paris ver a leitura do meu texto "Nossa vida não vale um chevrolet" em francês. Caralho, lá no Jardim do Sol, tentando conseguir algum dinheiro pra pagar o ônibus pra casa, eu jamais imaginei que um dia desceria no De Gaulle pra testemunhar uma leitura de um texto meu. Depois fui pro Uruguai assistir a leitura de "Hotel Lancaster". Sempre o teatro me levando. Eu viajei por grande parte do país graças ao teatro. Enfim, o que eu quero dizer com tudo isso é que o teatro sempre esteve absurdamente perto de mim, me salvando e me ferrando. Mas muito mais me salvando de algo que eu sequer pensei em me proteger algum dia, simplesmente pq eu nunca pensei em futuro. Então se algum jovem ator vem me perguntar se vale a pena, eu respondo: "não vale não, é roubada, vc vai se foder". Eu respondo isso pq se o cara tá perguntando isso, então ele não tem certeza, então é melhor sair fora logo. Não é lugar pra quem não tem certeza. Quer algo certo? Tá no lugar errado! Agora se ele perguntar se em algum dia eu me arrependi (mesmo nos momentos que eu tava passando fome, sem dinheiro, sem mulher, dormindo sozinho e sem lugar pra morar), eu vou responder sem titubear: "Jamais, Brother, jamais".


(Mário Bortolotto)

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