É uma vida estranha. Quando eu comecei a fazer teatro em
Londrina, eu apenas queria ser um ator e me divertir. Eu era muito jovem e não
tinha planos pro futuro. Até hoje eu não tenho. Mas naquela época tudo o que eu
pensava a respeito de futuro era: "Como é que eu vou conseguir dinheiro
pra comer um cachorro quente hoje?" Eu pautei a minha vida assim:
"Vou fazer só o que eu gosto na minha vida e quando acabar, acabou".
Eu não mudei nada. Continuo pensando assim. Enquanto não chegar o fim, vou
fazendo. Mas eu já escrevia algumas coisinhas (poemas, contos, etc) e os meus
amigos no grupo de Teatro descobriram e praticamente me obrigaram a escrever um
texto de teatro. Eu escrevi e percebi que levava jeito. Já escrevi mais de 50
textos, ganhei uma porrada de prêmios e já fui encenado por uma pá de diretores
diferentes. Nunca esperei por isso. Quando me mudei pra São Paulo, fiquei
passando fome alguns anos, bebendo conhaque vagabundo na Amaral Gurgel e
comendo hot-dog e churrasco grego, mas tava tudo certo também. Eu continuava
vivendo do jeito que eu escolhi. Eu tava devendo a mó grana quando eu ganhei o
Prêmio Shell em 2.000. Aí eu consegui pagar as minhas dívidas e o Prêmio deu
uma visibilidade ao meu trabalho que fez com que outras pessoas se
interessassem pelos meus textos. O Reinaldo Pinheiro levou para o cinema o meu
"Nossa vida não vale um Chevrolet". Ficou bem ruim, mas com o
dinheiro dos direitos, mais um pouco do que eu já vinha guardando e com a
montagem da peça "à meia-noite um solo de sax na minha cabeça" com o
Raul Cortez eu consegui comprar a minha kitchenette. Eu jamais imaginei que
moraria em uma casa realmente minha, ainda mais só fazendo o que eu gosto e que
eu escolhi fazer. E continuei trabalhando, já tendo um lugar que era meu pra eu
deixar cair minha carcaça bêbada de madrugada. Aí depois veio o convite pra eu
ir pra Paris ver a leitura do meu texto "Nossa vida não vale um chevrolet"
em francês. Caralho, lá no Jardim do Sol, tentando conseguir algum dinheiro pra
pagar o ônibus pra casa, eu jamais imaginei que um dia desceria no De Gaulle
pra testemunhar uma leitura de um texto meu. Depois fui pro Uruguai assistir a
leitura de "Hotel Lancaster". Sempre o teatro me levando. Eu viajei
por grande parte do país graças ao teatro. Enfim, o que eu quero dizer com tudo
isso é que o teatro sempre esteve absurdamente perto de mim, me salvando e me
ferrando. Mas muito mais me salvando de algo que eu sequer pensei em me
proteger algum dia, simplesmente pq eu nunca pensei em futuro. Então se algum
jovem ator vem me perguntar se vale a pena, eu respondo: "não vale não, é
roubada, vc vai se foder". Eu respondo isso pq se o cara tá perguntando
isso, então ele não tem certeza, então é melhor sair fora logo. Não é lugar pra
quem não tem certeza. Quer algo certo? Tá no lugar errado! Agora se ele
perguntar se em algum dia eu me arrependi (mesmo nos momentos que eu tava
passando fome, sem dinheiro, sem mulher, dormindo sozinho e sem lugar pra
morar), eu vou responder sem titubear: "Jamais, Brother, jamais".
(Mário Bortolotto)
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