Luiz Felipe Leprevost
tai chi na areia
ausência de sol junho
não chove mas o ar está molhado
dança em mim minha luta
executo mínimos movimentos
circulares
não paro pra escrever
não tenho pressa
o sangue lava o organismo
enquanto há tempo
aumento um bocado as mãos
não paro pra escrever e escrevo
embora não saiba como fazê-lo
do modo que um dia,
alfabeticamente, aprendi
arquejante, chamo os caminhantes
lá do calçadão
eles se distanciam
obcecados que vão por suas
atividades físicas
danço cortando o ar como lâmina
que abrisse abrisse
e então abrisse a pedra do Tempo
agora meus alvéolos já não são
capazes de me impulsionar
respiro mal
não há boca em meu rosto que use
a direção do som na atmosfera
meu caderno é a areia
a caneta os pés descalços
as solas, sendo o que há de mais
embaixo nas pessoas, contribuem com o mistério do universo
cada parte quer deixar de existir
se decompor na neblina
sei, de todo modo, que somente
existindo é que posso deixar de existir
memória, acúmulo de esquecimentos
impulsos, livres associações,
pouco ou nenhum nexo
a paisagem pisca, apaga por
segundos
eternidade
volta a acender
instantes que não administro, não
calculo
a mente não dá conta
dos símbolos que tentam se agarrar
à ela
não é um adeus, mas um chegar
portanto, ninguém se apiede
– se bem que melhor a piedade que
o nojo
nojo, já que aos 37 anos
no inverno carioca
sou um Lázaro
– chagas, pústulas (mas só por
dentro)
é internamente que me decomponho
e em alta velocidade
pra quem olha, sou apenas o
praticante
de sutilíssimos movimentos
na praia praticamente vazia de
tudo menos de pombos
o mar quebra pesado
eu, ao contrário, peso pouco
sem saber como ainda me segura o
chão
o homem em pânico é o inventor de
deus
o que dizer? tudo urge no meu
estar tranquilo
ser qualquer coisa na vida
contato e improvisação
e isso é de uma exigência
inevitável
conhecimento: o corpo é o único
que sabe (mesmo quando eu não sei que ele sabe)
plantando a efemeridade no espaço
danço
constituído pela fragilidade,
danço
a umidade me divide, me desmancha
e me espalha no ar
nos pés tenho as mãos que escrevem
nas mãos que voam, vai a voz
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