Hoje, como tinha dito, vou no Capão, um pouco apreensiva,
pisando macio na terra dos outros, vou beber um pouco, dançar um pouco, mas não
iria tão longe a um lugar que provavelmente me estranhará por tão pouco.
Pouco mais de vinte anos atrás fiz uma dívida que hoje é do
Capão. Trabalhava em uma clínica de dependentes e tinha um rapaz lá, do Capão,
muito tímido, ficamos amigos. Se é que amizade é troca de algumas formalidades
do trato diário. Um dia recebi dele um quilo de massa de mandioca que ele soube
que gostava. E outro dia, tempos depois, soube por outro paciente que ele tinha
surtado e nunca mais o vi. Passei um tempo certa que voltaria, essas
interrupções são comuns nesse tipo de acompanhamento, mas tive muita vontade de
procurá-lo, procurar a família. Não fui porque não era da minha alçada
interferir num caso clínico, não seria bem vinda talvez, talvez o envergonhasse
com minha presença. E na época, casada, como diria ao marido e aos filhos,
fiquem aí que vou procurar um cara que mal conheço no Capão. Também, quando
percebi que não voltaria o tempo tinha passado.
Hoje nem me lembro o nome desse cara, não o reconheceria se o
visse, talvez esteja morto, sei lá, sei que não se lembraria de mim, mas quero
com vinte e tantos anos de atraso ir no Capão para porra nenhuma a essa altura,
mas, a mais insignificante das partes, desconexa, inútil e insignificante eu
farei. Eu vou lá.
Inês Monguilhott
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