domingo, 9 de abril de 2017


Hoje, como tinha dito, vou no Capão, um pouco apreensiva, pisando macio na terra dos outros, vou beber um pouco, dançar um pouco, mas não iria tão longe a um lugar que provavelmente me estranhará por tão pouco.
Pouco mais de vinte anos atrás fiz uma dívida que hoje é do Capão. Trabalhava em uma clínica de dependentes e tinha um rapaz lá, do Capão, muito tímido, ficamos amigos. Se é que amizade é troca de algumas formalidades do trato diário. Um dia recebi dele um quilo de massa de mandioca que ele soube que gostava. E outro dia, tempos depois, soube por outro paciente que ele tinha surtado e nunca mais o vi. Passei um tempo certa que voltaria, essas interrupções são comuns nesse tipo de acompanhamento, mas tive muita vontade de procurá-lo, procurar a família. Não fui porque não era da minha alçada interferir num caso clínico, não seria bem vinda talvez, talvez o envergonhasse com minha presença. E na época, casada, como diria ao marido e aos filhos, fiquem aí que vou procurar um cara que mal conheço no Capão. Também, quando percebi que não voltaria o tempo tinha passado.

Hoje nem me lembro o nome desse cara, não o reconheceria se o visse, talvez esteja morto, sei lá, sei que não se lembraria de mim, mas quero com vinte e tantos anos de atraso ir no Capão para porra nenhuma a essa altura, mas, a mais insignificante das partes, desconexa, inútil e insignificante eu farei. Eu vou lá.

Inês Monguilhott

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