segunda-feira, 13 de maio de 2019

DOCE LOUCURA




me dou conta, assustado, com febre alta,
na parede, o relógio marca a hora,
são três e trinta e três e a doce flauta
de um anjo imagino ouvir agora

li um pouco do Mahabharata e Vedas
e um cansaço medonho em mim se estende,
por meus nervos, meus músculos e vértebras
mas o corpo ao descanso não se rende

não sou jovem nem dou voz à tolice,
mas sou quase incansável quando leio
se o livro tem razão e tem fetiche
a emoção põe no doce seu recheio

mas hoje não, a estafa, com o peso
de duas gravidades mais ou menos,
quer apagar o que mantive aceso
e atua sobre mim com os seus drenos

vejo a vida esvair-se, mas resisto
e um filme triste passa por meus olhos
então um sino bate e prega um cristo
estourando seus tímpanos e miolos

na angústia de ajudá-lo, pego um pau
e, agindo como um louco, desço a ripa
rasgando carnes com um ódio tal
que ao fim só resta um festival de tripa

e neste trágico combate imundo
vejo-me como um verme salivando
pelo fartíssimo banquete oriundo
dessas ações sem onde, como ou quando

mas ao ver cristo assim tão judiado
jogado e espancado pelos cantos
orei como jamais havia orado
até ser censurado pelos santos

só porque meu vocabulário é tosco
e nunca tive papas na papila
senti que tudo ficou cinza e fosco
e para me acusar havia fila

eram hipócritas, falsários, crentes
toda uma multidão de vagabundos
que na ânsia de serem diferentes
arrombavam a porta dos fundos

eu titubeava delirantemente
querendo saber quem eu era e só
mas acordei entrando pela frente
alguém abriu-me a porta e virei pó

antonio thadeu wojciechowski

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