terça-feira, 30 de abril de 2013

Senhora Poética


Emanoel Virgino
 
Basta ficar em pé, deitado,
Desperto, adormecido, de qualquer jeito,
Para recebê-la.
Chega de qualquer parte, do horizonte,
Da noite, da semente das estrelas.
Vestida de vento, despe-se.
Suas brisas íntimas esvoaçam.
Dos lábios emanam chamas perfumadas.
E me beija na testa e me marca
Com gravação de candura.
 
Se está na Grécia ao redor de Safo,
Ao ouvir meu chamado, dali ausenta-se.
Suas mãos desabam sobre minha cabeça:
Orquídea das carícias em espiral.
E me afaga por dentro.
Alcança cada princípio da raiz dos meus cabelos,
Desliza até a guia dos meus pêlos,
Caminha a polpa afogueada por meu cucuruto.
Imanta-me e o sangue arrepiado vai e vem.
Tudo gira, mas o tino não se desvia.
Nada se obstrui.
A fronte desvela sua aurora.
 
Ela está na órbita da minha cabeça.
Sua sombra pousa luz nos meus ouvidos,
No nariz, nos olhos, amadurece minhas faces;
Passa pelos dentes esmaltando o sorriso,
Esquenta a língua,
Fere o diapasão da voz;
Faz esticar a pele dos tambores;
Até o limite da atmosfera, confere a afinação dos pássaros,
A acústica das águas,
Repassa o som das conchas,
O silêncio das folhas orvalhadas,
As notas baixas do altivo bambu,
O soprano da haste do capim,
Os bongôs da chuva na madeira verde.
 
Influi na intensidade das vagas na minha aura,
Na rebentação das praias,
Nas pororocas, na piracema,
No tempo propício ao acasalamento dos insetos
E no cio das gatas nos telhados,
Das cadelas cortejadas por matilha rabugenta.
Ajuda na distribuição do pólen para a fecundação das flores.
Despeja seu hálito na masturbação das virgens
E gradua a paixão das noviças, futuras esposas de Cristo.
 
Suave envolvimento ela permite ocorrer na minha nuca,
Por trás dos lóbulos das orelhas;
Massageia meus tímpanos com o bico dos seios,
Faz chover acupuntura no meu pomo-de-adão.
Suas aragens incendiadas roçam meu queixo,
Esticam-se até os lábios e esquecem ali não um beijo,
Só um desejo, uma memória de saliva furtada de outros lábios.
E desaba pesando como espuma,
Demolindo, átomo por átomo, os ombros,
O torso; ateia fogo nos elétrons dos mamilos;
Golpeia as costas com a marreta de suas pétalas;
Forja espadas-de-são-jorge na bigorna das espáduas.
Jasmins, lírios, cravos, rosas e musgo rebentam pelos flancos.
 
Anticólica desinferniza a barriga,
Põe lenha na caldeira do plexo solar;
O coração arfante, contrações da rede pulmonar.
Implosão nas costelas,
A espinha de cobra da coluna vertebral reveste-se de peçonha,
Insinua sob a pele o rastro de um silvo, balança seu ganzá,
Arremessa a bifurcação da língua como tênue fita de linfa;
Apóia a cabeça de esfinge na maciez penicante do púbis.
Quais cisnes enamorados entrelaçam-se tesão e pênis.
Dentro, cascata e vulcão, iceberg e vapor;
Humores do pântano, galvanização do prepúcio.
Por trás da aurora, súbito mal de parkinson concentra-se na bunda.
Glândulas fora do eixo, planetas desalinhados.
 
Está completamente à espera.
Permite-se fotografar seminua com verbo até a cintura,
Adjetivos nas coxas, conectivos dispersos pela vulva;
Uma aliteração apressa o desabrochar do clitóris.
Encavala-se nos meus ombros,
E mexe e suspira e mexe;
A fenda quente, punhal em mim,
Abre-se mais descendo pelas costas.
Num impulso, deixa-se penetrar.
Desde minha coroa, rasga-se o hímen
Como regresso ao útero.
A membrana circular avança pela testa,
Tolda os olhos,
Cede um pouco devido ao plano inclinado do nariz;
Dobra as orelhas, descansa nas bochechas.
 
Retorno da onda para ganhar impulso;
Versos anelados, sete cores circulares sobrepostas.
O avanço atinge a manhã envolvendo o pescoço.
A partir desse ponto, serpente engolindo a presa,
O ato é mais doloroso, inspiração em histeria.
Dificuldade para se encaixar nas omoplatas.
E graça eu lhe rendo pela santa experiência,
Porque já me reveste como casca, luz,
Fonte profunda, termas de súlfur, gás, pureza;
Adianta-se, casulo retardando a borboleta.
Já está quase no umbigo.
Mastigação impossível da ausência de gengivas,
Só tecidos e húmus;
Ruminação vagarosa de flor carnívora.
Efervescência da pélvis.
E o silêncio amplifica um concerto:
Dança dos Sabres, Aranjuez, Bolero,
O Trenzinho do Caipira talvez.
 
Engole a parte glútea,
Tritura as coxas, desloca as rótulas,
Eteriza fêmur e raízes venais, poros;
Macera canelas, amacia calos e calcanhares...
Pára ao vencer o limite dos pés.
Inteira me comprime, espreme,
E jardins escapam pelo hiato das respirações.
O sol enloquecido deseja enforcar a noite.
Ela mexe o tempo, embaralha estrelas;
E cada vocábulo mergulha como argonauta kamikaze surdo;
Realizamo-nos selo mútuo.
Jamais me libertarei, e ela, por sua vez,
Está fadada a me possuir até que eu morra,
Quando, enfim, esta minha amante me fará imortal;
A que ora engendro e adoro, cria minha, serva fiel
De quem também sou cativo, senhor seu,
Com quem gozo depois me abraço
Até brotarem glebas de fungos e lodo entre nós,
E luz envelhecida pousada em cada conjunção,
Abandonando sombra de diamante em cada imagem
E contas de cristal nos termos de comparação;
Esta dama que, para falar seu nome,
Preciso perfumar a boca e lustrar as botas da garganta:
Esta minha bem amada Senhora Poética!

Nenhum comentário: