sábado, 11 de março de 2017

Chico Buarque


Será que eu partia de mim toda vez
que ouvia o Chico Buarque,
eu me deixava deserto,
eu, ermo de saudade tão moça,
com a lágrima, que agora carrego,
eu me abandonava,
ficava me vendo na solidão da rua.
Será que me desencontrava,
me forjava de rosas,
me pressupunha asilado
de meu coração,
meu coração no exílio,
adolescendo nos meios
de penumbras e generais,
meu soluço imberbe
nos tacos de um brilho
ímpar,
eu, abraçando Chico,
eu, tão Itapetininga,
acetinando Chico,
eu, em transparência,
acertando as contas
com minha cidade
condensada nas aulas
e as longas tardes de espera.
Por que crescer se prestou
ao recolhimento,
ao estertor da alegria,
a essa música que me corta
a janela escancarada,
um pouco de sol na minha morte?
Queria ter dormido longamente,
não ter acordado.
Queria que esse sentimento
não arcasse tanto
os meus ombros.
Eu fazia liberdade quando Chico
doía na vitrola
o seu lado A, o seu lado B.
Mas uma distância que me traz hoje
as retinas mareadas,
uma distância que soa em flauta
na vida presente,
uma distância me consome.
Eu me vejo caleidoscópio.
Estou lá e os fragmentos
do que fui
compõem o quadro
desse adulto que titubeia
e espera com seu velho vestido
cada dia mais curto.
Eu estou no cais
e a âncora dorme
em acalanto
nos meus braços.
Se um dia vier o sol,
eu principio minha alegria,
se um dia vier o sol,
eu aceno pro meu naufrágio.

Fiori Esaú Ferrari

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