domingo, 3 de setembro de 2017

tango


no escuro, só, num canto,
adentras meu cenário.
em vista, a aventura.
que importa o meu desejo,
me tomas pa’bailar.

começa a contra dança,
de início a contra tempo.
alinha-se o par.
afina-se improviso.
nos olhos o impreciso.
e o tempo a girar.

seguimos com passado.
de noite ao mar só rosas.
de dia amar só prosas.
e a mão presa na coxa.
enlaçam-se as notas,
relevam-se as penas.
há fogo em cada volta.
ninguém quer apagar.

e segue a meio dia,
tão velha melodia,
e quem para escutar?
avanço, tu recuas.
eu cresço e continuas,
a me tremer as pernas.
a me roubar o ar...

distraio e rodopio.
e muda o andamento,
desanda a evolução.
um ocho e de repente,
estou a sufocar.
reflito e troco o passo,
me levas pelo braço.
só ris.

diriges meu caminho.
tu dizes que conduz.
adestras movimento.
enquadras pensamento.
condenas a impostura.
controlas o equilíbrio.
com, junto, orquestrado.
percurso ensaiado.
transferes todo o peso,
eu fico rente ao chão.

atacas em falsete,
já quer variação.

aperta o compasso,
acirra a marcação:
andante,
imoderado.
por gênio,
atravessado.
não mais entrelaçado.
de duro a sincopado,
em ritmo binário.
requer compensação.
num tom tão agressivo,
me jogas para o alto.
eu caio assim tão fácil...

eis que então diz perto.
e a dama aqui já pensa.
a cena ali tão densa.
que já se fez duelo.
e tácito não mais.
sequencia interrompida.
mais crua que falida,
apruma-se o final.

e de tronco virado,
deslocas para a frente,
diz, louca, para o lado.
eu rodo em sua mão.
ocupas meu espaço,
teu corpo em novo eixo.
meu dorso encontra baixo,
eu saio a contra posto.
não somos mais um par.
só um.

acende-se a luz.
ninguém a aplaudir.

paula quinaud

www.dquina.blogspot.com/

                

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