terça-feira, 24 de outubro de 2017

fragmento 178

Trecho do  fragmento 178 do "Livro do desassossego", escrito por Bernardo Soares, que, segundo Fernando Pessoa, seu criador, foi ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa:

(autor: Bernardo Soares - heterônimo de Fernando Pessoa .)

178.

Tudo aquilo que em nossas actividades consideramos superior, tudo isso participa da morte, tudo isso é morte. Que é o ideal senão a confissão de que a vida não serve? Que é a arte senão a negação da vida? Uma estátua é um corpo morto, talhado para fixar a morte, em matéria de incorrupção. O mesmo prazer, que tanto parece uma imersão na vida, é antes uma imersão em nós mesmos, uma destruição das relações entre nós e a vida, uma sombra agitada da morte.

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.

Povoamos sonhos, somos sombras errando através de florestas impossíveis, em que as árvores são casas, costumes, ideias, ideais e filosofias.

Nunca encontrar Deus, nunca saber, sequer, se Deus existe! Passar de mundo para mundo, de encarnação para encarnação, sempre na ilusão que acarinha, sempre no erro que afaga.

A verdade nunca, a paragem nunca! A união com Deus nunca! Nunca inteiramente em paz, mas sempre um pouco dela, sempre o desejo dela!





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