Trecho do fragmento
178 do "Livro do desassossego", escrito por Bernardo Soares, que,
segundo Fernando Pessoa, seu criador, foi ajudante de guarda-livros na cidade
de Lisboa:
(autor: Bernardo Soares - heterônimo de Fernando Pessoa .)
178.
Tudo aquilo que em nossas actividades consideramos superior,
tudo isso participa da morte, tudo isso é morte. Que é o ideal senão a
confissão de que a vida não serve? Que é a arte senão a negação da vida? Uma
estátua é um corpo morto, talhado para fixar a morte, em matéria de
incorrupção. O mesmo prazer, que tanto parece uma imersão na vida, é antes uma
imersão em nós mesmos, uma destruição das relações entre nós e a vida, uma
sombra agitada da morte.
O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na
nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.
Povoamos sonhos, somos sombras errando através de florestas
impossíveis, em que as árvores são casas, costumes, ideias, ideais e
filosofias.
Nunca encontrar Deus, nunca saber, sequer, se Deus existe!
Passar de mundo para mundo, de encarnação para encarnação, sempre na ilusão que
acarinha, sempre no erro que afaga.
A verdade nunca, a paragem nunca! A união com Deus nunca!
Nunca inteiramente em paz, mas sempre um pouco dela, sempre o desejo dela!
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