Acordo, passo os olhos pela internet e me vem à mente o
desabafo de Flaubert: "Eu sempre quis viver numa torre de marfim, mas uma
maré de merda está a bater nas paredes, afim de derrubá-la."
Tá difícil viver nessa Torre, dedicado a escandir versos,
analisar imagens, mapear intertextualidades... Aliás, esta Torre é fruto do
século XIX, época da consolidação da burguesia no poder, quando tudo passa a
ser medido pelo valor de troca. E a literatura, sobretudo a poesia, não é muito
bem cotada nessa bolsa monetária. Refugiar-se nessa Torre foi a reposta dos
artistas a quem o mundo dera as costas.
Engraçado que esta frase foi dita justamente pelo autor que
"inventou" o realismo, a escola literária que defende que o real suje
a arte.
No século XX, mesmo antes, os escritores foram obrigados a
deixar essa Torre, bombardeada pelos dardos malignos do real.
Aqui no Brasil João Cabral já nos revelara que poesia é
fezes (Antiode) e Gullar introduzira nela a palavra diarreia (A bomba suja),
não como uma palavra de dicionário, mas como uma palavra que revela as
estruturas injustas por trás da famigerada Torre:
"No dicionário a palavra
é mera ideia abstrata.
Mais que palavra, diarreia
é arma que fere e mata."
Bom, como não dá, diante dos abominações de nosso
desgoverno, retornar à Torre, o jeito é fazer da merda poesia.
Termino com mais uns versos do Gullar dos bons tempos:
"Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do horror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato
um poema
uma bandeira"
Otto Leopoldo Winck
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