sábado, 13 de abril de 2019


– Tem dias que a noite é foda.
– De quem é isso?
– Reinaldo Moraes, o verdadeiro Bukowski brasileiro. Aliás, melhor que o original.
Estavam num bar, na verdade um minúsculo boteco, desses frequentados por pessoas que se acham intelectuais ou alternativas. Já tinham derrubado várias cervejas e conhaques. Era tarde. Antes, tinham assistido uma peça do Fringe, ali perto (por favor, revisor, não corrija para “assistido a uma peça” e muito menos “haviam assistido”, estamos no Brasil, não Portugal).
– Mas agora tem dias que o dia inteiro é foda.
– Ou a vida inteira.
– Se ainda fosse outro tipo de foda era divertido.
– Nem toda foda é foda.
Riram. Perdoem esses dois, leitores. Se você nunca bebeu não sabe como se fica idiota quando se bebe. E o pior é que o cara se acha foda. Perdoem este trocadilho também (não, não bebi, mas estou aceitando convite).
Depois de alguns minutos de profunda meditação, nos quais não se pensou em nada pois todo bêbado é meio lesado, o primeiro disse:
– Estou pensando em dar um tempo.
– Cara, nós nem estamos namorando, pra que um tempo?
O outro riu como se tivesse dito a coisa mais espirituosa do mundo.
– Não enche. Dar um tempo da vida.
– Vai se matar? Sabe que este é um tempo que não dá pra voltar depois.
– Quê se matar! Já passei da idade de se matar. Dá um tempo da vida, isto é, parar de frequentar lugares inúteis como este pra falar coisas inúteis.
– Obrigado pela consideração.
– Você entendeu o que eu quis dizer.
– E pra que parar de frequentar lugares inúteis pra falar coisas inúteis com pessoas inúteis como eu já que tudo é inútil?
– Vou me dedicar à literatura.
O outro se engasgou com uma gargalhada no meio do conhaque.
– Você me fala disso há anos!
– Agora é sério.
– E vai ser sobre o quê o seu livro?
– Ainda não sei. Mas já tenho a cena inicial.
– Diz.
– Começa num bar. Na verdade um minúsculo boteco, desses frequentados por pessoas que se acham intelectuais ou alternativas.
– Como este.
– Sim, como este. Os dois...
– São também dois os personagens?
– Nesta cena sim. Os dois, amigos de longa data, já tinham derrubado várias cervejas e conhaques. Era tarde. Antes, tinham assistido uma peça do Fringe, ali perto (ei, revisor, lembra: não corrija). Aí um deles diz: “Tem dias que a noite é foda.”
– Ah, cara, vamos pedir a conta que você já está mal. Não quero ser personagem desse livro nem fudendo.

Otto Leopoldo Winck

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